quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Vida de papel



Vou te explicar mais ou menos como a coisa toda funciona.
               É muito simples: começa com a introdução. Poucas linhas, só pra dizer que começou – e é claro, pra chamar atenção. Umas polêmicas, algumas curiosidades, motivos para continuar a leitura, a jornada... Tudo para desacelerar a maratona de olhares apressados.
               Desenvolvimento. É o mais fácil, mas não se esqueça: é como um relógio correndo. Diga tudo, faça tudo, o mais completo possível. Dois parágrafos, sugiro. Nada fluido, tem que ser coerente; aí está o desafio, até porque a vida vive pregando peça na gente.
               No terceiro parágrafo, atenção: ainda não chegamos à conclusão. Ainda há algo a ser dito, a ser feito, a ser vivido. Coração de malandro sempre tem uma boa história pra contar; vamos lá, não desista, deixe estar. A vida é assim mesmo; às vezes lágrima, às vezes, gracejo. O negócio é continuar, tem que encher linha, tem que fazer valer, tem que tentar.
               E por fim, conclua; é inevitável. A hora chega, e o melhor a fazer é correr para o abraço. É a hora em que bate o cansaço; dizer que é a tendinite gritando fica mais bonito. A palavra e a vida são coisas incompreensíveis demais pra nós, meros bebês num berçário imaginário. Mas sabe qual é a melhor coisa das conclusões? Elas podem acabar com perguntas. Respostas não são obrigatórias na última frase. Ou seja: a nossa volta está garantida; é só pegar a caneta e começar, num novo papel, a desenhar sua nova linha de partida.
               E na hora de inventar um título, bom, não invente; deixe a coisa acontecer. Em três ou quatro palavras, diga aquilo que sente, que te define, e não se preocupe se ninguém entender. Assim é a vida: uma história que não foi escrita para ser entendida. 


 (SEBASTIAN DACEY)

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