Menina,
tenho tanta coisa para dizer!
Acredite
se quiser, mas o tempo passou rápido demais. Olhe para mim: estou aqui no meu
leito de morte, toda seca, pálida, flácida, encruada... E a gente de repente se
lembra da novela das nove! O tempo passou tão rápido e as coisas que vieram
foram tão rápidas que é mais fácil falar sobre o inútil, o inconveniente, o
“deixa passar”. Eu, que dediquei a vida aos filhos, amores, trabalhos e
problemas, esqueci-me do inútil! Esqueci-me da novela! Esqueci-me de você, menina!
O tempo
é um monstro mesmo. Não quer saber se a gente quer viver mais um pouquinho, e
eu aposto que, quando a minha hora chegar, ele vai fazer a indelicadeza de
virar para o outro lado e acender um cigarro; nem se dará ao trabalho de me
perguntar se foi bom para mim. Se ele quiser me levar agora, irei brava.
Quantas novelas perderei, quantos netos não conhecerei, quantas histórias não
se entrelaçarão com a minha... Isso é triste demais, menina!
A
situação anda tão russa que a morfina tá disputando corrida com a minha vida
para ver quem acaba primeiro. Aliás, por que dizemos que a situação está russa?
Menina, siga meu raciocínio enquanto ele ainda existe: pararam de dizer que a
situação tá preta porque os negros não gostaram; ok, até vai, ainda mais o
preto que representa o básico, o chique, o que nunca sai de moda. Nem sei quem
foi o desocupado que disse que a cor preta representa as coisas ruins da vida;
aposto que era um escravocrata miserável que desconhecia o poder de um pretinho
básico. Espere, meu raciocínio ainda está na metade: por que dizemos que a
situação está russa? Por acaso o motivo é o frio colossal que faz lá? É na
Rússia que faz um frio colossal, não é? Aposto que quem inventou esse termo foi
algum americano na época da guerra fria.
A
situação está preta, russa, branca, amarela, americana, sei lá. A situação está
quase deixando de ser situação para se tornar uma triste lembrança que pesará
por alguns dias, quem sabe por alguns anos e, com um pouco de sorte, nomeie
netos ou bisnetos. A situação está por um fio – isso no tempo do imperador
Wi-fi. A vida é isso; situação. Às vezes problema, mas nem sempre; futuras
situações, não sofram por antecipação.
É. Senti
uma pontada que me beliscou dizendo que a hora chegou. Chega de perder tempo por
aqui; hora de perder tempo em outro lugar. Até porque morrer para não viver de
novo é pessimismo demais. Melhor pensar que na próxima vida eu serei uma
formiga; pelo menos morrerei cedo, e o “cara lá de cima” (como diria aquela
maluca das botas brancas) terá piedade de mim, e na próxima vida eu venho
garota do fantástico. Ainda existe garota do fantástico? Ainda existe miss?
Para você ver como o tempo é traiçoeiro; não satisfeito em me levar à força
como se eu fosse uma menina pirracenta, faz questão de arrancar meu juízo
assim, sem mais nem menos.
Que na
próxima vida eu seja uma televisão. Pelo menos não perderei nenhum capítulo de
novela.
Que na
próxima vida eu seja uma eterna menina. Não é, menina?
Crônica extraída do livro "A culpa é do tempo".
(Minjae Lee)
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