domingo, 9 de fevereiro de 2014

Perdendo tempo



               Menina, tenho tanta coisa para dizer!
               Acredite se quiser, mas o tempo passou rápido demais. Olhe para mim: estou aqui no meu leito de morte, toda seca, pálida, flácida, encruada... E a gente de repente se lembra da novela das nove! O tempo passou tão rápido e as coisas que vieram foram tão rápidas que é mais fácil falar sobre o inútil, o inconveniente, o “deixa passar”. Eu, que dediquei a vida aos filhos, amores, trabalhos e problemas, esqueci-me do inútil! Esqueci-me da novela! Esqueci-me de você, menina!
               O tempo é um monstro mesmo. Não quer saber se a gente quer viver mais um pouquinho, e eu aposto que, quando a minha hora chegar, ele vai fazer a indelicadeza de virar para o outro lado e acender um cigarro; nem se dará ao trabalho de me perguntar se foi bom para mim. Se ele quiser me levar agora, irei brava. Quantas novelas perderei, quantos netos não conhecerei, quantas histórias não se entrelaçarão com a minha... Isso é triste demais, menina!
               A situação anda tão russa que a morfina tá disputando corrida com a minha vida para ver quem acaba primeiro. Aliás, por que dizemos que a situação está russa? Menina, siga meu raciocínio enquanto ele ainda existe: pararam de dizer que a situação tá preta porque os negros não gostaram; ok, até vai, ainda mais o preto que representa o básico, o chique, o que nunca sai de moda. Nem sei quem foi o desocupado que disse que a cor preta representa as coisas ruins da vida; aposto que era um escravocrata miserável que desconhecia o poder de um pretinho básico. Espere, meu raciocínio ainda está na metade: por que dizemos que a situação está russa? Por acaso o motivo é o frio colossal que faz lá? É na Rússia que faz um frio colossal, não é? Aposto que quem inventou esse termo foi algum americano na época da guerra fria.
               A situação está preta, russa, branca, amarela, americana, sei lá. A situação está quase deixando de ser situação para se tornar uma triste lembrança que pesará por alguns dias, quem sabe por alguns anos e, com um pouco de sorte, nomeie netos ou bisnetos. A situação está por um fio – isso no tempo do imperador Wi-fi. A vida é isso; situação. Às vezes problema, mas nem sempre; futuras situações, não sofram por antecipação.
               É. Senti uma pontada que me beliscou dizendo que a hora chegou. Chega de perder tempo por aqui; hora de perder tempo em outro lugar. Até porque morrer para não viver de novo é pessimismo demais. Melhor pensar que na próxima vida eu serei uma formiga; pelo menos morrerei cedo, e o “cara lá de cima” (como diria aquela maluca das botas brancas) terá piedade de mim, e na próxima vida eu venho garota do fantástico. Ainda existe garota do fantástico? Ainda existe miss? Para você ver como o tempo é traiçoeiro; não satisfeito em me levar à força como se eu fosse uma menina pirracenta, faz questão de arrancar meu juízo assim, sem mais nem menos.
               Que na próxima vida eu seja uma televisão. Pelo menos não perderei nenhum capítulo de novela.
               Que na próxima vida eu seja uma eterna menina. Não é, menina?


Crônica extraída do livro "A culpa é do tempo".

 (Minjae Lee)

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