quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Convite



Junte-se a mim, vamos para qualquer lugar.
            Vamos sentar numa mesa de bar e divagar sobre a vida, bem devagar, enquanto você bebe cerveja e eu dispenso o guaraná, perguntando ao garçom se a Coca anda gelada como o tempo ou quente como o casal ao lado. Vamos nos envergonhar pelos outros, pelos beijos que dão ao ar livre e que deveriam ser trocados entre quatro paredes, pelas palavras malditas, mal ditas ou não ditas, pelo preconceito digno de pena, pela angústia desnecessária ou pela piada fora de hora – ou até mesmo pela roupa excessivamente na moda, por que não?
            Vamos jogar na mesa nossos problemas, nossas aflições, bruxarias em forma de burocracia que nos fazem engolir todo santo dia, segredos tão íntimos que nos envergonham, mas que são ditos para arrancar comentários ou risadas entre nós, pobres mortais, meros metais em uma banda de rock ministrada por surdos, ou quem sabe por sambistas, ah, que a comparação não seja feita, nasça pronta.
            Venha, venha porque quero lhe presentear com um beijo, um cheiro, um disco, um livro, uma palavra, um toque – ok, bem mais que um toque, talvez um número infinito de toques que levem a um ato, a um fato, a qualquer coisa que nunca, jamais, em hipótese alguma será qualquer. Pensando nisso, vamos tomar um café? Um café bem forte, mas não muito quente, pois nossas línguas são os órgãos responsáveis pelo funcionamento dessa nossa cooperativa: seja na fala ou na troca de tato, se é que essa última expressão existe.
            E então, se o tédio bater e o assunto acabar, que se dane o bar; vamos ver o céu, mas não pelo celular. Vamos subir no mais alto dos edifícios, onde a neblina possa nos abençoar enquanto as luzes da cidade distraem os nossos olhos. E então, no momento em que as palavras não mais farão falta, nossas mãos se encontram; mais do que se encontram, se abraçam, se agarram, se unem – uma mão só. A união dos corpos dá-se num encontro de mãos, que evolui para um encontro de olhos, que evoluiu para uma troca de sorrisos, que evolui para uma troca de palavras, que, dependendo da circunstância e do sentimento, pode evoluir para uma troca de beijos. Não, beijos não se trocam. Beijos não são moedas. Beijos são indescritíveis demais para caberem em qualquer definição.
            E se você se sentir incomodado, se por acaso achar que esse simples gesto evolutivo representa um escândalo para a sociedade, aquieta-te; se as luzes se incomodarem conosco, é só se apagarem. É até melhor.
            O convite está feito. 

 (Leonid Afremov)

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