Eu
sou de direita. Domino, mando na parada, o poder é meu. Estou no topo, sou a
maioria, o volume da minha voz é, no mínimo, o máximo. Sou o certo, o
disciplinado, aquele que pensa no futuro, que luta por uma vida boa, mansa,
quase um carpe diem – é uma bela tatuagem. Sou aquele que acredita na luta, no
poder, na conquista; a cara da sociedade, o radical, o seguro, o melhor. Luto
contra vaidades e insanidades da vida moderna, mas não me importo;
consequências dessa minha enorme responsabilidade de fazer do mundo um lugar
perfeito – ou pelo menos tentar, claro.
Eu
sou destro. Viverei mais tempo que você, que é canhoto. Sou mais inteligente,
mais racional, mais humano. Tenho mais sangue, mais vigor, mais energia. Sou
normal. Sou perfeito. O mundo está ajustado para viver conforme manda o meu
figurino. Sou ativo, jovem, insistente. O poder está na minha mão direita – e é
por isso que eu sei manuseá-lo tão bem.
Eu
sou de esquerda. Sou aquele que sofre, que quer mudanças, que luta por um mundo
melhor. Sou extremista, cansado, suado, vítima de um bando de destros. Com
minhas mãos calejadas, trabalho por todos; mas ninguém trabalha por mim. Sou
escravo da minha própria lei – a lei a que fui obrigado a acreditar. A eterna
vítima, a eterna ovelha negra. Marcado pelas gotas de suor que nunca secarão.
Eu
sou canhoto. Não sou imortal – inclusive, morrerei antes de você. Sou aquele
que não se deu bem no jardim de infância, o estranho, o anormal. Como se eu
fosse torto, morto, estorvo. O mundo zomba de mim, e há tempos diziam que eu
era o errado, o que nem devia ter nascido – hoje, vez ou outra encontro uma
tesourinha para mim em alguma papelaria de destro. Se eu soubesse viver com as
duas mãos, a vida seria mais fácil – bom, eu vivo com elas, o problema é que
meu corpo é esquerdo, minha vida é esquerda, não posso mudar. Ser o errado me
ensinou que, para ser o certo, é preciso muito suor. E olha que eu transpiro.
Eu
sou de todos os lados. Eu estou em todos os lados. O poder, o suor, o certo, o
errado. Aquele que escreve com as duas mãos. Meu poder está no centro: na minha
língua. Dou as melhores opiniões e os melhores beijos. Agrego valor. Sou popular,
o centro das atenções. Pode me passar o bastão; não tenho medo, saberei
segurar.
Eu
sou marciano.
Eu
sou maneta.
(Bernard Bailly)
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