quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Sem direção



               Eu sou de direita. Domino, mando na parada, o poder é meu. Estou no topo, sou a maioria, o volume da minha voz é, no mínimo, o máximo. Sou o certo, o disciplinado, aquele que pensa no futuro, que luta por uma vida boa, mansa, quase um carpe diem – é uma bela tatuagem. Sou aquele que acredita na luta, no poder, na conquista; a cara da sociedade, o radical, o seguro, o melhor. Luto contra vaidades e insanidades da vida moderna, mas não me importo; consequências dessa minha enorme responsabilidade de fazer do mundo um lugar perfeito – ou pelo menos tentar, claro.
               Eu sou destro. Viverei mais tempo que você, que é canhoto. Sou mais inteligente, mais racional, mais humano. Tenho mais sangue, mais vigor, mais energia. Sou normal. Sou perfeito. O mundo está ajustado para viver conforme manda o meu figurino. Sou ativo, jovem, insistente. O poder está na minha mão direita – e é por isso que eu sei manuseá-lo tão bem.
               Eu sou de esquerda. Sou aquele que sofre, que quer mudanças, que luta por um mundo melhor. Sou extremista, cansado, suado, vítima de um bando de destros. Com minhas mãos calejadas, trabalho por todos; mas ninguém trabalha por mim. Sou escravo da minha própria lei – a lei a que fui obrigado a acreditar. A eterna vítima, a eterna ovelha negra. Marcado pelas gotas de suor que nunca secarão.
               Eu sou canhoto. Não sou imortal – inclusive, morrerei antes de você. Sou aquele que não se deu bem no jardim de infância, o estranho, o anormal. Como se eu fosse torto, morto, estorvo. O mundo zomba de mim, e há tempos diziam que eu era o errado, o que nem devia ter nascido – hoje, vez ou outra encontro uma tesourinha para mim em alguma papelaria de destro. Se eu soubesse viver com as duas mãos, a vida seria mais fácil – bom, eu vivo com elas, o problema é que meu corpo é esquerdo, minha vida é esquerda, não posso mudar. Ser o errado me ensinou que, para ser o certo, é preciso muito suor. E olha que eu transpiro.
               Eu sou de todos os lados. Eu estou em todos os lados. O poder, o suor, o certo, o errado. Aquele que escreve com as duas mãos. Meu poder está no centro: na minha língua. Dou as melhores opiniões e os melhores beijos. Agrego valor. Sou popular, o centro das atenções. Pode me passar o bastão; não tenho medo, saberei segurar.
               Eu sou marciano.
               Eu sou maneta.

 (Bernard Bailly)

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