quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Telepatia



               Quando você pede para que dê tudo certo, mesmo que o certo seja aquilo que você nem imagina.
               Quando você ouve exatamente aquilo que sempre sonhou ouvir, e que faz seus tímpanos se sentirem num filme romântico com final feliz... Ou quando ouve o que não quer, mas o que precisa ouvir – mesmo que o clima de romance dê lugar ao terror.
               Quando tudo que você precisa dizer é dito sem palavras, ou melhor, nem precisa ser dito; parece ser ouvido de qualquer lugar do universo. E quando você ouve o que nunca pensou ouvir e, sem saber, poupa a saliva alheia.
               Quando você pensa em alguém e – PLUFT! Eis que a pessoa aparece assim, do nada, sem que você mande um torpedo, um míssil ou o que for. E quando você aparece para alguém que já não aguenta mais pensar em você, e de repente sente que a sintonia de vocês é tão forte que prega peças na gente.
               Quando você quer começar um novo parágrafo, e do nada surge um ponto final. Ou quando tudo que você quer é um ponto continuativo... E eis que aparece na sua folha um ponto e vírgula.
               Quando você deseja algo tão forte que acontece. E tudo que você deseja é nunca ter desejado aquilo... E só o tempo conserta. Pelo menos é alguma coisa.
               Quando todos os quandos perdem o sentido, e tudo que nos resta é uma incerteza falsa, um golpe na realidade, “inception”, o desconhecido, o indefinível...
         Uma pena essa tal de telepatia ser tão abstrata. Se ao menos a concretizassem, não precisaríamos pular tantos muros e janelas, dirigir tantos quilômetros, imaginar tanto.

(Ouça Something about us, Daft Punk)

 (Tumblr)

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Esfarrapada



Eis que, num belo dia,
A poesia não sai;
Fica presa na língua
É torturada pela culpa
De quem já não tem permissão
Para nela pensar;

A culpa dos erros,
A incoerência dos acertos,
O avesso dos ponteiros,
Tudo vira um ser superior
Capaz de ferir, de gritar;
Eu sou esse ser
Sou vítima de mim
Que tenta fazer poesia
Para se desculpar.

 (inspirefirst - Tumblr)

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Vida de papel



Vou te explicar mais ou menos como a coisa toda funciona.
               É muito simples: começa com a introdução. Poucas linhas, só pra dizer que começou – e é claro, pra chamar atenção. Umas polêmicas, algumas curiosidades, motivos para continuar a leitura, a jornada... Tudo para desacelerar a maratona de olhares apressados.
               Desenvolvimento. É o mais fácil, mas não se esqueça: é como um relógio correndo. Diga tudo, faça tudo, o mais completo possível. Dois parágrafos, sugiro. Nada fluido, tem que ser coerente; aí está o desafio, até porque a vida vive pregando peça na gente.
               No terceiro parágrafo, atenção: ainda não chegamos à conclusão. Ainda há algo a ser dito, a ser feito, a ser vivido. Coração de malandro sempre tem uma boa história pra contar; vamos lá, não desista, deixe estar. A vida é assim mesmo; às vezes lágrima, às vezes, gracejo. O negócio é continuar, tem que encher linha, tem que fazer valer, tem que tentar.
               E por fim, conclua; é inevitável. A hora chega, e o melhor a fazer é correr para o abraço. É a hora em que bate o cansaço; dizer que é a tendinite gritando fica mais bonito. A palavra e a vida são coisas incompreensíveis demais pra nós, meros bebês num berçário imaginário. Mas sabe qual é a melhor coisa das conclusões? Elas podem acabar com perguntas. Respostas não são obrigatórias na última frase. Ou seja: a nossa volta está garantida; é só pegar a caneta e começar, num novo papel, a desenhar sua nova linha de partida.
               E na hora de inventar um título, bom, não invente; deixe a coisa acontecer. Em três ou quatro palavras, diga aquilo que sente, que te define, e não se preocupe se ninguém entender. Assim é a vida: uma história que não foi escrita para ser entendida. 


 (SEBASTIAN DACEY)

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Convite



Junte-se a mim, vamos para qualquer lugar.
            Vamos sentar numa mesa de bar e divagar sobre a vida, bem devagar, enquanto você bebe cerveja e eu dispenso o guaraná, perguntando ao garçom se a Coca anda gelada como o tempo ou quente como o casal ao lado. Vamos nos envergonhar pelos outros, pelos beijos que dão ao ar livre e que deveriam ser trocados entre quatro paredes, pelas palavras malditas, mal ditas ou não ditas, pelo preconceito digno de pena, pela angústia desnecessária ou pela piada fora de hora – ou até mesmo pela roupa excessivamente na moda, por que não?
            Vamos jogar na mesa nossos problemas, nossas aflições, bruxarias em forma de burocracia que nos fazem engolir todo santo dia, segredos tão íntimos que nos envergonham, mas que são ditos para arrancar comentários ou risadas entre nós, pobres mortais, meros metais em uma banda de rock ministrada por surdos, ou quem sabe por sambistas, ah, que a comparação não seja feita, nasça pronta.
            Venha, venha porque quero lhe presentear com um beijo, um cheiro, um disco, um livro, uma palavra, um toque – ok, bem mais que um toque, talvez um número infinito de toques que levem a um ato, a um fato, a qualquer coisa que nunca, jamais, em hipótese alguma será qualquer. Pensando nisso, vamos tomar um café? Um café bem forte, mas não muito quente, pois nossas línguas são os órgãos responsáveis pelo funcionamento dessa nossa cooperativa: seja na fala ou na troca de tato, se é que essa última expressão existe.
            E então, se o tédio bater e o assunto acabar, que se dane o bar; vamos ver o céu, mas não pelo celular. Vamos subir no mais alto dos edifícios, onde a neblina possa nos abençoar enquanto as luzes da cidade distraem os nossos olhos. E então, no momento em que as palavras não mais farão falta, nossas mãos se encontram; mais do que se encontram, se abraçam, se agarram, se unem – uma mão só. A união dos corpos dá-se num encontro de mãos, que evolui para um encontro de olhos, que evoluiu para uma troca de sorrisos, que evolui para uma troca de palavras, que, dependendo da circunstância e do sentimento, pode evoluir para uma troca de beijos. Não, beijos não se trocam. Beijos não são moedas. Beijos são indescritíveis demais para caberem em qualquer definição.
            E se você se sentir incomodado, se por acaso achar que esse simples gesto evolutivo representa um escândalo para a sociedade, aquieta-te; se as luzes se incomodarem conosco, é só se apagarem. É até melhor.
            O convite está feito. 

 (Leonid Afremov)

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Ponte aérea

Cruz, espada
Água doce, salgada
Rua, estrada
Manhã, madrugada...

O sol ardendo na pele
ou a pele ardendo no sol?
Um céu de estrelas reluzentes
Ou para um só céu, uma estrela só?

Chegar ou partir?
Querer ou poder?
Morrer por viver
Ou viver para morrer?

Entre o simples e o complexo
Há horas de distância
Como um doce para uma criança
Prefiro o silêncio
- com um beijo indiscreto.

(Laura Fernandéz)

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Anatomia da novidade



Na cabeça, a enxaqueca que arde. Aquela que faz a gente acordar no meio da noite e questionar os anjos, demônios e toda a galera superior ou inferior que há no mundo para saber que diabos (ou deuses) eles querem. Talvez seja por conta das pernas, que andam rápido demais... A velocidade deixa a gente assim, tonto por qualquer coisinha – bom, a velocidade não é uma coisinha qualquer. Assim como a novidade.
Ela brilha. Brilha tanto que cega a gente. É cega. Dizem que nem tem olhos; será que é por isso que esbarra em nós e nem pede desculpas? A boca vive aberta; é a surpresa. A pele vive suada; é a ansiedade. O nariz vive grande; quem quiser que jogue Pinóquio na roda.
Em seus braços, músculos trêmulos de desespero, aquele que carrega a gente para lugares que nem conhecemos, mas que devem apenas ser seguros. As mãos vivem geladas; suor de nervoso.
No coração, a áurea da renovação, ah, a estonteante renovação; acorde diferente a cada dia, a cada hora, a cada segundo, não durma, por isso não acorde, permaneça acordada até... Até esquecerem o até. E mesmo depois que isso acontecer, não pare.
No estômago, a ânsia de vômito; necessidade vibrando. Má alimentação. Muita energia gasta para nada.
               Na alma, um vazio de dar pena, doido pra virar saco cheio.
               E ainda dizem que as bactérias são seres inferiores a nós. 

 (Tumblr)