quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Como se diz "eu te amo"


            Ando febril. Adoentado mesmo, sabe? Coisa esquisita. Ando distraído, desligado, esbarrando em tudo e em todos. Eu ando tão down... Ando em outro planeta, como um cometa, com os olhos fechados e os ouvidos desconectados. Ando assim, ando assado... Não, não pense que estou assado... Olhe só, estou esbarrando onde não devo, já disse. Acho que estou apaixonado.
            Não, não. Tente outra vez.
            Não sei de onde surgiu isso. A vacina expirou, o prazo de validade venceu, o caminho se abriu, o vírus entrou, gripei ao contrário. Esquentei por dentro. Por fora, a temperatura anda mais louca que eu. As luzes não me cegam mais. Os motores não me ensurdecem. Parece que virei uma armadura com coração. Não entendo mais nada. Esquisito isso, não é? Acho que estou apaixonado.
            Ah... Não. Mais uma vez.
            É uma coisa louca, maior que eu, que você, que todos nós. Uma coisa que vem de todos os meus órgãos, que puxa, repuxa, machuca, estica, volta, dói, aperta, engrandece, enobrece... De outro mundo, de outro tempo, de outra dimensão. De um lugar distante que eu não sabia que existia. Uma coisa sobrenatural, um sentimento nunca antes visto nem sentido por mim ou por meus ancestrais, pobres coitados explorados pela rotina. E quando dei por mim, onde estou? Quem sou? Quando foi que me entreguei? Não somos nós que nos entregamos. A física nos empurra. A natureza nos faz perder a gravidade. Acho que estou apaixonado.
            Profundo demais. Está bom para morrer afogado. Outro.
            Acordar no meio da noite sem mais nem por quê. Na geladeira, nada de interessante – e olha que tudo já foi devorado. A madrugada parece não passar. O despertador não quer tocar. O ponteiro irrita. A noite irrita. A solidão irrita. Solidão. Ansiedade. Batuques com os dedos. Carência. Vontade de correr; ao mesmo tempo, cansaço. Já sentiu isso antes? Nem eu. Aí vem o dia, claro ou nublado, de qualquer jeito. Nada importa, nem o Sol mais brilhante nem a chuva mais incessante. Nada importa. É tudo parte de uma conspiração perigosa. Um clã contra a sua sanidade. E então a noite vem de novo, e tudo volta, mesmo com cansaço, com sonho, ah, lá vamos nós. Acho que estou... é...
            Como é que se diz isso? Como é que se diz que o pensamento se perdeu ao te seguir? Como é que se diz que a vida agora só faz sentido após o seu sorriso? Como é que se diz que nada tem graça quando você não passa? Como é que se diz o que não foi feito pra ser dito, apenas sentido? E que sentido há em sentir por sentir, sem ao menos dizer, verbalizar, seguir em frente, correr atrás?
            Como é que se diz “eu te amo” fugindo do clichê do amor?
            Como é que se tira o amor do clichê?
            Como é que se deixa de ser clichê?
            Prefiro dizer que está tudo bem. Mesmo quando não está.
            Volte mil casas.


segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Linha do tempo



            Oito meses. Nem nasceu ainda, está dentro da barriga. Tudo que se vê é: água, água, água. Placenta. Brinca com o cordão umbilical para passar o tempo. Como um prisioneiro, chuta sua cela, grita, revolta-se com a vida que nem chegou ainda; não é ingratidão, é pressa mesmo. Vai entender.
            Nasceu. Virou álbum de fotos, de vídeos, de figurinhas. Todas as roupinhas mais lindas, os sapatinhos, as gracinhas, as caras e bocas de joelho. Não me venha com tolices ou mímicas ridículas; não me dê problemas, me dê leite. Muito leite. Quero uma overdose de leite. Se houver algum grupo de anônimos viciados em leite (como o Alcoólatras Anônimos), quero participar. Quero que o mundo se resuma a peitos fartos e abundantes; e quando o leite acabar, quero dormir, dormir e sonhar com leite, sou um copo de leite, uma flor copo-de-leite, um peito cheio de leite, uma vaca cheia de leite, tenho pele de leite, quero/amo/sou leite. Cinco horas de sono já representam enorme período de abstinência.
            Um ano. A menina fala demais; o menino faz sons esquisitos. Começa a guerra dos sexos, um é melhor que o outro, um é mais maduro que o outro. Dane-se a idade, a genética, a criação. O que importa é o sexo, sempre o sexo; e é daí que nascem os machistas, as feministas, as futuras vítimas da lei Maria da Penha, os futuros enquadrados na mesma lei, os “bichinhas”, as “sapatas”, você tem que gostar de carrinho, você tem que brincar de boneca, você tem que cruzar as pernas quando sentar, você tem que coçar o saco, cadê a sua namoradinha?, cadê o seu namoradinho?, cadê aquele amiguinho ou amiguinha que você não deve imitar?, foque no rosa, foque no azul, a primeira festa será das princesas, a primeira festa será dos carrinhos, não haverá primeira festa; quando ele crescer, ele decidirá se quer festa ou não. Reze para não ter pais com a cabeça aberta demais; eles darão muito trabalho. Reze para não ter pais com a cabeça fechada demais; eles terão muito trabalho.
            Cinco anos. Bicicleta, sorvete, escolinha, time de futebol, amiguinhos, namoradinhos (eles nos perseguirão durante toda a vida), sábados de sol, domingos de “quero brincar no parque!”, panelas de brigadeiro, “como foi que eu nasci?”, a cegonha começa a ser citada. Quer uma dica? Fuja da cegonha. Só pense nesta criatura depois de assinar sua carteira de trabalho. O que é carteira de trabalho? Vá brincar que você ganha mais. Quando a falta de respostas vier, vire-se; não dá pra colocar a criança pra dentro da barriga e pensar no que será dito.
            Dez anos. Cresceu. Ficou chato. Emburra a cara quando ouve um não. Reclama quando ganha pijama em pleno aniversário. Não quer comer salada. Não gosta de estudar. Não quer dormir cedo. Não quer acordar cedo. Não quer escovar os dentes. Não quer usar aquele suéter de bolinhas amarelas e estrelinhas verdes que a tia fez com tanto carinho. Não quer escrever cartinha para o papai noel, mas quer presentes mesmo assim. Quer o ovo de páscoa mais caro. Quer o carrinho que o colega comprou na Eslovênia. Quer ver um filme que nem você vê para não ficar traumatizado. Já fala palavrões mesmo sem saber o significado. Briga na escola. Volta pra casa com o joelho ralado. Antes, sugava o seu peito. Hoje, suga sua cabeça.
            Quinze anos. Baile, festa, festa, baile. Mal deu o primeiro beijo e já quer a primeira transa. Mal largou o leite e já quer vodka. Mal comeu o almoço e já quer o jantar. Virou mulher na noite que deixou de ter catorze e fez quinze anos, quando trocou o all star pelo scarpin. Virou homem, já sai por aí com uma camisinha no bolso. É obrigado a ter namoradinhas, a pensar no futuro e a fazer a cama. Quanta responsabilidade. Vive de mesada, de festa, de agito, de madrugada. Vive de olheiras. Vive com olheiras. E as orelhas cheias de brincos. E os ouvidos sem tímpanos. E os sorrisos nas redes sociais. E as lágrimas para impressionar os pais. E as notas vermelhas escondidas embaixo da cama. E o tédio de domingo que te faz pensar em onde você poderia estar agora. E o primeiro amor que avassala, atropela, enlouquece. O primeiro amor que te desperta. Não quero despertar. Mas perdi o sono. Ser ou não ser? Sentir ou não sentir? Eis a questão.
            Vinte anos. Maior de idade. Flor da idade. Sou demais. O maioral. Mil namorados. Mil namoradas. Amigos para dar e vender. O amor? Deixei na adolescência. Faculdade, porque quero ser alguém. Já sou alguém: balada? Presente. Chopada? Presente. Problemas? Procurem meu epitáfio.
            Vinte e cinco anos. Os cremes contra espinhas dão lugar aos antirrugas. A faculdade acabou, o trabalho chegou, descobriu um cabelo branco e morreu de pavor. O amor apareceu de novo. Ainda é um adolescente. Mas agora quer casar, quer morar junto, quer ter filhos. O amor quer sentir o meu bafo quente pela manhã, quer descobrir minhas estrias, quer reclamar dos meus roncos, quer fazer a minha alegria durante os primeiros anos e depois procurar outro desocupado para fazer de idiota. O amor me deu um buquê de rosas, prometeu fazer tudo que eu quisesse se eu a levasse a um show de MPB, me levou para um jantar, pagou o champanhe mais caro do motel, me beijou na frente da lareira e acendeu uma lareira em mim, me fez de tapete, de cama, de parede branca para pendurar seus quadros, seus gostos, seus anseios, suas virtudes, seus defeitos. O amor me pregou uma peça.
            Trinta anos. Primeira crise. Casamento na corda bamba; os casais de celebridades dizem nas revistas que o clima de tensão aquece a relação – a minha já teve queimaduras de 1º, 2º e 3º graus. O chefe é insuportável, os filhos dão trabalho, o amor só existe no cinema e nas canções do Chico. O espelho me detesta. Depressão, síncope, TPM, reumatismo, pedra nos rins, crise de estresse, diabetes, compulsões, vírus, hérnia de disco, cirrose, enxaqueca. Trocava tudo isso por uma boa gripe causada por um beijo debaixo da chuva. Crises. Todas as crises. Trinta mil crises.
            Trinta e cinco: hora de fazer uma tatuagem declarando para o mundo que você sobreviveu – por enquanto. Quarenta, quarenta e cinco, cinquenta. Boletos, boleros, passagem de tempo, brisas de verão, furacões em todas as estações, tingir os cabelos todo mês, plásticas, consertos, manutenção, em eterno reparo. Vida que segue, que passa rápido, que não olha pra frente: simplesmente anda sem olhar para os lados, como uma criança que não ouve a mãe ensinar a atravessar a rua. A vodka é boa, mas caramba, que saudade do gosto de leite. Viver para morrer. E quem sabe, viver de novo, morrer de novo, sem parar. Como numa dança maluca onde todos seguem a seguinte canção: o tempo.
            Escravos da vida. Escravos do tempo. Caixão. Barriga. Barriga. Caixão. A ordem já não interessa. 

(Extraído do livro "A culpa é do tempo")

 (Zippora Seven)

sábado, 25 de janeiro de 2014

Cansaço



Sabe, eu não entendo esse planeta. As coisas são tão loucas, tão quentes e ao mesmo tempo tão frias... Não são as cordas que nos enforcam, mas pedaços de papel que nos prendem, nos compromissam, nos tiram do sério. Não entendo os vícios, a necessidade que sentimos em dedicar nossas vidas a algo superficial, quase desprezível. Não entendo também como consigo ter tanta coisa para fazer e só pensar nessas futilidades.
           Essa coisa de estar conectado ao mundo, por exemplo. Isso cansa. Saber todas as informações, conhecer todos os lugares, ter um número infinito de opiniões na ponta da língua... Mostrar para o mundo que você vive nele cansa. Como a tevê, com os mesmos programas, as mesmas histórias, a mesma falta de sintonia durante toda a sua vida. Como as fotografias, aquelas que tiramos no ápice da vaidade – até o tempo passar e você sentir vergonha daquela cara que fez, ou saudade daquele tempo em que tinha um rosto limpo, sem rugas ou marcas de expressão. Como diários pessoais, aqueles que viraram peixe e caíram na rede, aqueles que transbordam repetições e inverdades, respingando hipocrisias.
               A vida real cansa. Ter que se engravatar, que colocar um vestido de festa, ter que usar salto ou sapato social, ter que deixar a barba crescer porque está na moda, ter que usar cílios postiços e fingir que está adorando (enquanto sua vontade é arrancar aquela porcaria na primeira crise de coceira), ter que assinar revistas da sua idade, mas que você nunca vai ler, ter que ser o que é, mas não é, mas é e nunca será... Confundir-se. A todo instante. Isso também cansa.
               Dar explicações. Por que você ri? Por que você chora? Por que você odeia? Por que você ama? Quem permitiu uma coisa dessas? Quem disse que você pode? Quem disse o que você quer? Quem dita o que você faz? Seja você mesmo! Equilibre as coisas, e não enlouqueça. Ou enlouqueça ao provar para o mundo que você é um péssimo malabarista.
               Crescer. Amadurecer. Aprender com tropeços. Nossa, como isso deve ser bom. Que teoria mais linda. Mas depois que a gente se acostuma a viver do jeito que já vivemos, as coisas que nos parecem boas acabam dando preguiça. Esquisito.
               Será que em Marte as coisas também funcionam assim? 


 (les pensées croisées)

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Falta de assunto



               De repente, um silêncio estranho se instalou.
               Deve ser a fome, que nos ocupa a boca de forma indiscreta, nos faz virar os olhos, a fome, essa mesma... Aquela que nasceu para ser assassinada. Como uma barata.
               Deve ser a hora. Quase dia, quase tarde, quase noite... Quase. Quase engraçado, quase triste, quase normal, quase esquisito, quase perfeito. Quase passou da hora.
               Deve ser o medo. Medo de falar demais, de falar de menos, de grudar, de incomodar, de parecer enjoado, enojado, repetitivo... E se deixar levar pelo mal entendido. Medo de sentir medo. De não merecer ser merecedor. De perder a hora, o controle, a cabeça; pra isso existem relógios, pilhas, pescoços. Mas será que o bom senso existe?
               Ah, é, deve ser esse tal de bom senso que nos impede de abrir a boca para dizer besteiras. Como foi seu dia? Sua semana? Sua hora sem mim? Sobreviveu? Pensou em cortar os pulsos? Sentiu alívio? Como vai você? Ah, eu vou bem, alguns problemas aqui, outros lá, mas nada de significante. Ah, eu vou mal, muito mal... Alguns sorrisos aqui, outros lá, mas todos insignificantes. Bom senso à prova de insignificantes.
               Deve ser a tensão. De viver num mundo desorientado, onde se mata para fingir que se vive. De falar o que não deve, e falar o que deve também, e acabar devendo palavras ou silêncio a quem disse tudo sem dizer nada. De perder o foco, a mente, o chão... Por um simples sorriso. Ou por qualquer outra coisa que nos deixe assim, embriagados sem uma gota de álcool no sangue, tontos sem ao menos termos saído do lugar.
Porém, nada resiste a um bom momento.
               Um momento que não pode ser dito, citado, descrito. Mas que é lembrado mesmo quando não deve ser lembrado. Um momento sem palavras; apenas ar. Respiração, sorrisos, calmaria, olhar, telepatia, abraços, beijos. Compreensão. Compensação. Retribuição. O simples prazer de se viver. A mais perfeita combinação; encaixe. Solução para os problemas do mundo.
               Não existe falta de assunto. É que às vezes, as palavras não cabem.

 (Alejandro Giraldo)

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

No salão



               Duas moças conversam sobre escova progressiva.
- Eu não vivo sem – disse a primeira.
- Também não – disse a segunda.
- Se eu fosse cientista, criava uma lei obrigando as mães a ingerirem uma substância para suas filhas nascerem com os cabelos lisos.
- E os meninos?
- Ah, homem não tem esse problema. É só não ter cabelo duro que tá bom.
- O meu cabelo é duro. E eu não sou homem.
- O meu é geneticamente modificado. Ou como dizem os cadernos do meu filho, eu mudei o fenótipo dele.
- O que é fenótipo?
- Você não sabe o que é fenótipo?
- Eu não leio bula de remédio.
- Mas como você é burra! Fenótipo tem a ver com coisa de escola. Ciências. Vestibular. Essas coisas.
- Explica esse treco direito.
- Ah... É como se fosse o que a gente pode mudar... A cor do cabelo, a cor dos olhos, o bronze da pele...
- Mas a gente não pode mudar a cor dos olhos!
- Vai dizer que você não conhece lente de contato?
- Eu não conheço nada. Só leio revista de fofoca. Saber o que acontece na novela já é suficiente.
- Ai, eu não suportaria viver em um mundinho tão pequeno como o seu.
- Você não vê novela?
- Claro que vejo. Mas vou ao cinema, vejo filme legendado, leio revista de gente moderna. Você conhece todos os tipos de orgasmo? Sabe diferenciar amor e paixão? Sabe quando começa o Fashion Week desse ano?
- Ai!
- O que foi?
- Puxaram meu cabelo. Esse salão já foi melhor.
- Não, querida. Os seus neurônios é que já foram bem melhores.
- Eu não preciso saber isso tudo. Eu sei o que é um bom orgasmo, sei que amo minha família e... Olha, sobre esse tal de Fashion Week, eu já ouvi falar sobre ele, para sua informação.
- Tudo bem. Não vou deixar de ser sua amiga por causa disso. Eu sou uma boa pessoa, não faço Bullying com ninguém.
- Bullying? Mas isso é coisa de criança!
- Ah, amiga, eu te adoro, mas você anda muito burrinha. Precisa se informar mais.
- Então o que é Bullying?
               A amiga demorou a responder.
- É da família do racismo, ah, dessas coisas que dão cadeia.
- No meu tempo, Bullying era apelido.
- É, meu bem, mas hoje em dia tudo dá problema. As pessoas dão defeito por qualquer coisa. As nossas armaduras já foram bem mais fortes.
- Pois é. Hoje em dia tudo requer tarja preta, psicólogo, psiquiatra. Meu marido inventou que tá com depressão.
- Uau, isso é sério. O que você fez?
- Mandei tomar uma aspirina. É esse tempo que anda louco demais.
               Deram uma leve risada.
- No meu tempo, depressão era motivo pra surra de cinto. – disse a esposa prática.
- Não fale assim. Depressão é doença. Falta de serotonina. É coisa do cérebro. E é genético, sabia? Meu bisavô teve, minha avó teve e eu estou começando a apresentar alguns sintomas. Estou até com medo dos meus filhos pegarem isso.
- Ué, e já que você é tão moderna, por que não se previne?
- E o que você acha que eu faço?
- Não sei, você ainda não disse! – respondeu a “burra”.
- Lá em casa, eu fiz o armário da alegria. É o laboratório da felicidade. Você toma um comprimido, apaga e acorda tinindo.
- E se o comprimido não funcionar?
- Ué, toma outro!
               As duas entreolharam-se.
- Ai! – a moderna gritou.
- O que foi?
- Essa manicure que me arrancou um bife!
- Aproveita e guarda. O preço da carne tá pela hora da morte.
- Eu não faço compras, querida. Tenho empregada. E outra: sou vegetariana.
               A prática pediu, com um gesto, para que a cabelereira parasse de alisar seus fios. Olhou bem no fundo dos olhos da “amiga”, levantou uma sobrancelha e acabou levantando o corpo todo.
- Vai aonde com esse cabelo por fazer, menina?
- Vou pro mundo.
- Como assim? Tá maluca? Ó, se quiser eu tenho um comprimido aqui...
- Não, deixa pra você, que tá precisando mais. Aliás, minha filha, teu caso é urgente.
               E saiu andando.
- Mas hein, e esse cabelo? – A moderna gritou, ainda sem entender o que havia acontecido.
- Fica tranquila. Se eu olhar pro espelho agora, a única coisa que vai me assustar é o cabelo. O resto tá em dia.
- Que resto? Você é uma porta! Não lê nenhuma revista, não sabe nada...
               A burra olhou bem no fundo dos olhos da moderna e falou:
- Relaxa, menina. Com o que eu já sei, dá pra ser muito da feliz.
               E saiu com os cabelos divididos entre o liso e o cacheado. Mas a cabeça saiu fresca, limpa, sem problemas. E o sorriso saiu mais vivo do que qualquer outra coisa ou pessoa que passasse ao seu lado naquela calçada.