segunda-feira, 7 de julho de 2014

Toques



- Você me tocou com palavras. Nunca saberei se o que você disse é verdade ou mentira, mas sinceramente, isso não me interessa. Você tateou minha audição, e às vezes isso é o suficiente. O seu toque me fez olhar tudo diferente. Agora eu sei que sou... Bom, ainda não sei. Mas isso também não interessa: te ouvir é tudo que me importa. Vai, fala mais, me toca de novo. Sou todo ouvidos. Quero que você me invente verdades, que me afirme mentiras, que me faça acreditar naquilo que sempre duvidei e tire a graça daquilo que sempre foi minha religião. Um toque muda tudo, sempre mudará.
- Menina, adorei seu toque. O vestido ficou perfeito. Eu fiquei perfeita! Bom, não sei se perfeita é a palavra certa... Acabei descobrindo que tive que usar aquele vestido porque estou gorda, e se estou gorda não estou perfeita. Você abriu meus olhos quando pensou que eles estivessem fechados... Nossa, que loucura foi essa que acabei de dizer! Acho que preciso de um tarja preta. O que você me sugere?
- Não sei se pode me ouvir, mas espero que possa, e quando digo que espero tenho vontade de usar todos os advérbios terminados em “mente”. Só passei pra dizer que sinto sua falta, e isso é todo dia, toda hora, sem intervalos. Pode parecer errado, mas não importa; é a mais pura verdade. Enfim, me dê um toque, por favor. Vou te esperar, como sempre.
- Ela me tocou. Dizem que toques não podem ferir; mentira. Quem disse isso? Não sei quem foi, mas foi alguém mentiroso, alguém capaz de ferir como ela. Só de pensar no que ela me fez, desejo que o chão se abra pra que eu me meta lá embaixo, mesmo sem saber o que tem lá. Aquele toque que rasga por dentro, sabe? Que faz você perder o controle da realidade, que faz você querer sumir. Não há número capaz de medir esse estrago. Não há descrição que eu possa usar. Simplesmente dói, dói como um corte e ao mesmo tempo como uma queda, e também com uma apunhalada, e também como uma queimadura... Uma aquarela de dores. Quem toca nem imagina. Quem sente não esquece.
- Ele me tocou. E eu juro que gostaria de congelar esse momento pra sempre. Sua mão atravessou meu peito e foi parar lá dentro, lá na alma, no coração. Seus olhos atravessaram os meus olhos, e então só conseguíamos enxergar a nós mesmos. Nossas peles se tocaram, e de repente nos tornamos um só. Sua voz tocou meus ouvidos e me fez pensar na sorte que tenho de estar nesse corpo, com esses ouvidos, com ele me dizendo aquelas coisas que a gente quer ouvir até perder a audição, até morrer. Quando ele me toca, ah, aí eu sei quem sou. É como se eu voasse. Ao mesmo tempo, é como se eu corresse centenas de maratonas ao mesmo tempo. E estranhamente, é como se eu estivesse parada, como se só o vento me cercasse, a brisa, o mar e todas as outras coisas que me dão liga. Eu vivi pra isso. Ainda vivo.
- Não conta nada pra ninguém, mas eu quero te tocar. Quero que você sinta minha pele, minhas palavras e tudo mais. Que a gente se contate, se conecte, se carregue em nossos pensamentos. Quero te mostrar meu mundo, meus planetas, meu universo perdido e deserto. Quero que você o povoe. Também quero povoar seu universo. Exaltar sua fauna e sua flora, Explorar seus vales e rios. Absorver sua cultura. Navegar no seu oceano. Quero te livrar de todos os males, amém. Te fazer amar seu reflexo no espelho, te mostrar a melhor perspectiva dessa vida louca que a gente leva, te fazer desistir de entender o que não se entende, te fazer insistir em si mesmo, em mim, em nós. Não vai doer, eu prometo.
- Não me provoque; tô quase dando choque. Não me coloque num pedestal imaginário; não confio em pedestais, e sua mente parece estar podre. Não me deseje boa sorte; não quero sorte, não sei bem o que quero. Não me dê notas, não me crie cotas, não me enlouqueça. Já tenho meu diagnóstico, dispenso o seu. Tire seus sapatos, lave suas mãos, esvazie sua cabeça, refaça suas ideias, escove seus dentes, respire com calma, se inspire sem pressa, nada de espirrar: sei que preciso de um toque, mas tenho TOC, portanto, não me faça te odiar. 

(Ouça Nem luxo, nem lixo, Marina Lima)

(Tumblr)

Nenhum comentário:

Postar um comentário