Só
de pensar em viver, sinto vontade de bocejar.
As
coisas são mais fáceis quando a gente só sonha, sabe? A gente fecha os olhos, imagina
a vida “daquele” jeito, dorme por oito horas e pronto, tá tudo lindo, tudo
novo, tudo maravilhoso... Claro, enquanto você tá na cama. Eu me entedio fácil,
meu amigo. Tudo me entedia, a própria vida me entedia: essa coisa de nascer,
crescer, fracassar ou dar certo e depois de um tempo (se antes você não for
esmagado por um trem ou baleado por um louco), morrer. É, simplesmente deixar
de viver porque acabou seu tempo, seu prazo se esgotou, a sua vida já entediou
o bastante. Essa rotina enjoa.
Mas
sabe, toda rotina é assim. Não sei se tô pronta pra acordar todo dia na mesma
cama com a mesma pessoa e no mesmo lugar... Não sei se tô pronta pra encarar
todo santo dia o mesmo reflexo no espelho, e então me maquiar pra disfarçar o
que há de imperfeito, e então perceber que existem imperfeições que nem mesmo
quilos de maquiagem são capazes de disfarçar, e então chorar um pouco por causa
desse ritual louco até resolver retocar a massa corrida e partir pra guerra,
mesmo que a guerra só exista na minha cabeça... Não sei se tô pronta pra viver
sem saber onde tudo vai parar. A gente nasce pronto pra aprender na marra, no
piloto automático... Mas sabe de uma coisa? Nem tudo é certo. Se o destino tá
escrito, o livro deve ter sido censurado – ou pior, nenhuma editora quis
publicar. Mas tá escrito: a gente tem que acreditar naquilo que a gente não pode
decifrar. Não sei se quero ser a mesma pessoa sempre. Não sei se quero fazer as
mesmas coisas, se quero todo dia caminhar pelos mesmos bosques, dizer as mesmas
palavras, ganhar um dinheiro no fim do mês e fazer uma farra, sair e depois
voltar, continuando um ciclo aparentemente sem fim. Não sei se casamentos valem a pena, se essa
coisa de fazer uma festa, juntar duas vidas e sair por aí sorrindo como se os
problemas não existissem é legal. Criar família, ter casa pronta, virar gente
grande. Cair na rotina. Cair tão feio que o tombo vai doer à vida toda.
Talvez
seja melhor eu ser outra pessoa, sabe? Ou melhor, ser uma pessoa nova a cada
dia. Nunca usar as mesmas roupas, mudar o cabelo sem parar, não ter teto pra
não me acostumar, cair no mundo. E sentir a dor desse tombo durante toda a
vida.
Não
sei. Quem vai saber? As coisas estão sempre turvas. O tédio faz a gente surtar,
e pelo menos os surtos são animados; ou seja, o tédio não é tão ruim. De
qualquer forma, vamos cair – só resta saber se a gente quer a dor de se entregar
ou a dor de se iludir, e resta saber também quem é quem no meio de todos esses
tombos que a gente leva conforme as nossas escolhas. E se a eterna busca por
aventuras for um grande pé no saco? E se a grande aventura da vida for
justamente a porcaria da rotina? E se a gente parasse de pensar tanto na teoria
e vivesse sem pensar, apenas vivendo, deixando as coisas acontecerem, deixando
os caminhos nos guiarem, deixando a vida correr por nós ao invés de corrermos
na frente dela?
Discursos
não valem, meu nobre. Aliás, nada é válido numa vida que tem prazo de validade.
A gente nasce pronto pra se estrepar. A gente se estrepa pronto pra nascer de
novo todo dia e entender que essa rotina que eu já tô me cansando de citar, ao
contrário do que a gente pensa e do que tanto diz, não, ela não existe! É
invenção de gente desocupada, de gente entediada. Cabe a nós não nos
acomodarmos. Cabe a nós acreditarmos no que não podemos enxergar, porque tem
coisas que esses nossos olhos não estão prontos pra desvendar por inteiro...
Como o céu, por exemplo. Cabe a nós fazer diferente, mesmo que tudo pareça
igual.
E
se for pra dizer a palavra “rotina” pela última vez, então aqui vai: é pura hipocrisia
que a gente tira da nossa cabeça. Se for pra falar de tédio, ouça bem,
parceiro: se você não quer se entediar, desliga a tevê, levanta a cabeça e vai.
Se não sabe pra onde ir, liga a tevê de novo, vai que começou um filme bom. Só
não enche meu saco, valeu? Agora vai viver que o problema já não é mais meu.
Só
de pensar em bocejar, me dá vontade de viver.
* Inspirado numa conversa de mesa de bar.
* Inspirado numa conversa de mesa de bar.
(Ouça The perfect boy, The Cure)
(Rebecca Lepkoff)
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