quarta-feira, 7 de maio de 2014

Adaptações



Eu não queria ser Nathalie.
               Lembrei-me disso num papo qualquer com minha avó. Não gosto desse nome. Aliás, não suporto nomes estrangeiros. Não que eu seja patriota; pelo contrário, mas não é sobre isso que quero discutir. Simplesmente não gosto... Mas aprendi a viver com ele. Acostumei-me. Adaptei-me a mim mesma. Isso é estranho de se dizer, mas é a verdade.
               Ninguém gosta de nada em si mesmo. Por exemplo: assim como não gosto do meu nome, também não suporto esse meu cabelo cheio que às vezes mais se parece com a cúpula de um abajur (e que já rendeu post aqui no blog). Acho minhas poesias românticas demais, e fico meio enjoada com o que escrevo. Não gosto das minhas neuroses, da minha mania de gaguejar quando estou nervosa nem do meu medo de elevador. Todo mundo é assim, insatisfeito com alguma coisa tão pessoal que por isso mesmo dói, machuca, pesa. Não sei se somos todos macacos... Mas uma coisa eu sei: somos todos loucos. Muito loucos. Por isso, não joguem bananas. Joguem camisas de força. E cd’s do Jorge Vercillo.
               Mas sabe, eu me adaptei. Várias versões foram surgindo com o tempo. O mundo molda a gente, recicla, elimina, faz o que tem que fazer. A vida bota a gente pra se relacionar com os coleguinhas na escola, pra pegar ônibus sozinho, pra aprender a escolher, pra se entregar pro que realmente parece valer a pena, pra se tornar gente grande mesmo achando isso um saco. A vida bota a gente pra executar nossos valores. E aí, meu caro, você pode ser Zalêncio, Zanita ou Ziriguidum, ah, não importa: seja alguma coisa e seu nome será apenas seu nome, nada mais.
               Não me traduzo porque todos somos universais. Estou disponível em todos os idiomas, linguagens, crenças e convicções. Essa coisa de se adaptar é muito louca, tão louca que enlouquece. E eu enlouqueci, porque precisei aprender a conviver com várias versões de mim mesma até escolher essa que, pasmem, não gostaria de ser Nathalie, mas não trocaria de nome por nada nesse mundo. Novas edições foram lançadas. Agora tenho capa dura, algumas boas ilustrações e respeito o novo acordo ortográfico – não é porque a gente não gosta que vai desrespeitar, acho que aprendi isso na terceira ou quarta edição.
               Talvez, se eu fosse Luiza, não fosse assim. Porque Luiza é um nome bonito demais. Acho que nasci pra ser Nathalie. Pra ter cabelo que faz cosplay de cúpula de abajur. Pra fazer coisas erradas de vez em quando, porque sabe como é, a Nathalie é só a Nathalie, assim como o Joãozinho é só o Joãozinho, e o Zezinho é alguém que eu não conheço, mas que é simplesmente Zezinho. Pra aprender com essas coisas erradas e fazer coisas certas, ou tentar. Pra ser paranoica. Pra ter medo de elevador – muito... E pra ser fã do Jorge Vercillo. É, acho que nasci pra isso. Vai entender. Outras versões serão criadas, e não as temo: que venham, nem precisam dar em best seller. Tô feliz com meu lugar na estante. Tô feliz no meu instante.
               E você nasceu pra me ler, mesmo sem querer, mesmo sem me conhecer, mesmo sem me entender e mesmo que se arrependa ao chegar à última linha; caso isso aconteça, vou logo avisando que não nasci pra ser pé de sofá ou objeto de decoração. Você não nasceu pra viver as mesmas loucuras que estão na minha ficha, mas pra aprender o mesmo que eu, pra ser feliz como eu... Não. A verdade é que a gente não sabe porque nasce. Mas a gente nasce, e tem a obrigação de fazer valer a pena cada versão, cada novo capítulo, cada adaptação. No fim, o conjunto da obra é o que importa. Mas isso é só no fim, e pra esse tal de fim ainda tem chão à beça.  
               Eu aprendi a gostar de ser Nathalie.

 (Ouça 1979, The Smashing Pumpkins)

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