Certa vez,
alguém escreveu sobre as vidas secas. No caso, elas cruzavam o sertão, e mesmo
na imensidão de sua secura, viviam, lutavam, não desistiam. Não porque
acreditavam em recompensas ou naquela máxima “everything's gonna be alright”.
Mas porque simplesmente viviam automatizados pelo abandono, pela angústia, pela
dor de ser o que é sem nem ao menos saber quem é.
As
vidas de hoje não são secas como as que dão nome à brilhante obra modernista de
Graciliano Ramos.
As
vidas de hoje estão vazias. De tão cheias.
É
aquele mesmo papo de sempre: as notícias correm através dos nossos olhos, a
rotina parece superar a velocidade da luz (sem deixar de carregar o peso da
palavra “rotina”), a ansiedade aumenta a produção de unhas postiças e a
fabricação de um arco-íris de tarjas envolvendo medicamentos que nos apagam
antes mesmos de descobrirmos o nome do dito cujo. Saudades de quando a onda do
mar era a musa do poeta, do literato, do fazedor de palavras, ah, aquela onda
tão concreta que se fazia abstrata... Só nos restou a onda invisível, a
eletromagnética, tão abstrata que se faz concreta. Antes, éramos adotados pelos
clichês, pelas rimas pobres, mas que ainda sim preservavam o ato de rimar.
Parece que desrespeitamos os nossos pais. Passamos a detestar o clichê. Tudo é
cinza, tudo é muro, tudo já foi visto, já foi tocado... Mas parece que nunca
nos tocou.
Não
estou dizendo que antigamente a vida era melhor. Não existe vida melhor ou
pior; existe vida, e por mais que muitos a tatuem em frases feitas para
preencher recados que enaltecem uma falsa autoestima, a vida real é
incomparável. Mas ela é flexível, sabe? Cabe em sambas, em poemas, em conversas
numa mesa de bar em que copos nunca ficam cheios por muito tempo. A vida cabe
em qualquer coisa. Essa é a única coisa que podemos afirmar com toda certeza
sobre a dita cuja.
O
que estou dizendo é que nos perdemos. Estamos presos na nossa própria história
que parece dar voltas entre surtos, paranoias e atualizações do sistema. Não
foi a rede que nos enroscou; nós é que nos jogamos nela, como se a pobre
coitada fosse um urso de pelúcia gigante. Nós é que nos despedaçamos para
fingir que somos inteiros. Nós é que dispensamos o amor próprio para reclamar
da falta de amor em qualquer lugar que nos sirva com uma tela e meia dúzia de
anônimos entediados.
A
culpa é nossa. Culpados e vítimas. Absolvidos, condenados. Abandonados dentro
da nossa própria histórica cíclica... Como a de Graciliano. Aquelas que dá
voltas, que dá e tira esperanças, que nos faz chorar de vez em quando, quem
sabe até mesmo perder a compostura enquanto as páginas vão rolando...
Mas
não podemos perder a fé. A minha está depositada na espera do dia em que
perceberemos que o importante não é a história que se conta, mas como ela é
contada, como se desenvolve, como se dá.
Há
beleza em perceber que, por mais que não pareça, há algo a ser descoberto entre
a mudança e a fuga.
(Ouça O mundo é um moinho do grande Cartola na voz do também grande Cazuza)
(Tumblr)
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