Dia de faxina. Sabe como é: rádio
no volume máximo, emoções a flor da pele, suor, adrenalina, rinite. Mas tem
música, então tá tudo certo. Entre cantinhos empoeirados e sobras da pipoca de
ontem, o alto-falante ecoa versos violonizados
de um cara pedindo uma mulher que seja uma princesa na mesa e uma fera na cama.
Que use minissaia. Que seja alta. Difícil pros outros e fácil pra ele. Que
tenha tudo (lê-se: grana). Culta, viajada. Que não ligue pra nada.
Olha,
nem quando eu peço meu macarrão no Spoleto sou tão exigente. Mas vida que
segue. Guarda essa cartinha que o Frejat escreveu pro Papai Noel aí rapidinho.
Eu
penso na tara humana por idealizações. O cara perfeito, a mina perfeita, o
casal perfeito. E como a gente vive quebrando a cara no quesito “agora vai”, os
próximos relacionamentos (não necessariamente amorosos) se baseiam numa espécie
de test drive. É mais ou menos assim: se fulano ou fulana gostar do mesmo livro
que eu, se souber fazer aquele prato que eu gosto, se souber usar as palavras
certas, se adivinhar o nome do meu filme favorito... AÍ SIM. Ou seja: passou no
teste? É só correr pra relação perfeita que está escrita nas estrelas (ou não,
vai que o sujeito não curte essa coisa de signos e você ~mete o louco~ falando do seu ascendente em
gêmeos, né).
Aí
a gente esquece que não existe relação perfeita. Que não existe o cara
perfeito, a mina perfeita, que talvez a única coisa perfeita nessa vida seja o
pretérito (que de vez em quando consegue se superar na perfeição, se é que isso
é possível). Nem Papai Noel existe. O que existe é um monte de gente cansada demais
pra acreditar que, dentro dos parâmetros possíveis e altamente surpreendentes
da realidade, as coisas podem caminhar não perfeitamente, mas do jeito que
devem ser – algo como “destino” ou o clássico “deixa acontecer naturalmente” (tô
citando pagode, mas não vai achando que eu sou perfeita porque não, amiguinho,
eu não sou).
Se
o caro leitor quiser entrar num barato total e adentrar na história da
idealização romântica, bom, me deixe fora dessa porque essa parte da literatura
me soca o estômago. Só pare, pense, reflita e pegue no compasso: idealizar pode
ser simplesmente a sua forma bizarra de querer controlar tudo e todos. Você nem
tá tão cansado de sofrer assim. Às vezes você não passa de um egoísta babacão
que escolhe sua mulher como quem escolhe seu lanche, tipo um Frejat da vida
que, coitado, nunca mais será o cara que escreveu “Pense e dance”. E ainda é
burro, tadinho. Que dó.
Seria
bem hipócrita da minha parte dizer que não idealizo. Lógico que sim. Imagino
conversas, momentos, formas de pensar. Mas isso tudo pra pegar no sono, porque
essa coisa de ter que imaginar várias falas ao mesmo tempo é beeem cansativa. E
ainda tem o cenário, o cabelo, a música de fundo... Lá se foi um bocejo.
Voltei
pra faxina. Mas agora ao som de João Bosco. Se você sonha com um Caê mas a rádio te manda um dererumdereridom-dom-dom-dom,
não se aborreça. Vida é fazer todo sonho brilhar.
Sem
deixar de aceitar os fatos – o que pode ser chato e te cobrar um antiácido, mas
não ligue. É assim mesmo.
(Não, não abordei o fator
machista da listinha de desejos da canção por motivos de: meu estômago já
embrulhou uma vez, não quero que ele embrulhe de novo).
(Ouça Perfeição, Legião Urbana)