segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Euforia

Contorcido. O corpo, a alma, cada fragmento da sua mente tão normalmente contida. Seus pelos, sua nuca, sua língua. Podia ser uma cena de sexo explícito - entre espasmos e ruídos, é como se falássemos da mesma coisa. Mas não. Não há prazer aqui. Não há gosto, não há toque, não há conexão. Há apenas um bando de vírgulas loucas e apressadas demais, dessas que correm (em vão) do ponto final.
Também não é alegria, ah, tá longe de ser. É quase uma alergia, uma coceira, algo involuntário mas constante. Parece que cada célula sua está prestes a enlouquecer, e então vem aquela frase: eu preciso disso. Eu preciso dele, dela, de mim. Eu preciso que precisem de mim. Eu necessito. Eu dependo disso pra viver.
Como uma onda, você quebra. Cai no chão, fazendo jus ao meme que reproduzimos bem sentadinhos no nosso canto. O ar se perdeu no seu arrepio de frio e tortura, você se avermelha, empalidece, transparente. Seu corpo dói; o contrário da contração te provoca mal estar. Água. Coberta. Escuridão. Silêncio.
Vazio.
Aquela sensação de que tudo não passou de um sonho, inclusive os anos anteriores, seu nascimento, aquela música que você ouve há cinco anos e que ainda mexe contigo. Você não sente nada, e como é possível isso ser tão dolorido? A vida não passar de um buraco, uma cartola vazia, um ser chorando em posição fetal. Você não é nada. Nada além de um vazio que te preenche de um jeito amargo demais pra suportar.
Não quero mais isso, você diz, e jura pra si mesmo que vai dedicar a sua vida a purificar essa alma esburacada pela euforia. Vai achar a calma, a cola de maresia da Calcanhotto, a bossa nova, o eterno rivotril. Vai ser feliz e viver em estado de graça, desses em que o corpo só se contrai se for pra gozar no final, sem luxo nem lixo. 
Mas até pra achar a calma, é preciso ter fôlego. Você dispensa o corpo.
Mas não dispensa o ar.
Ele é que, de certa forma, parece te dispensar.  

(Ouça Perfume do invisível, Céu)
 
 
 
 

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