segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Spoilers

A mocinha morre no final. Leva um tiro bem no meio da testa. Assim, sem contexto, sem pretexto, sem explicação. Caiu e ficou. Sobem os créditos ao som de um tema musical fúnebre – um rock depressivo do fim dos anos noventa. 
Eles se casam. Não, ela não se lembra do fato de ter sido sequestrada, algemada, agredida, perseguida, enganada etc. Não se lembra de absolutamente nada, mas pensa que é sua namorada. No fim, a filha do casal se chamará Gertrudes, ela sugere. Como o esqueleto por quem ele tinha estranha devoção no começo da história. 
Ele morre, contrariando as expectativas que diziam que ela morreria primeiro. Aliás, ela viveu durante um bom tempo. Guardou todas as cartas de amor que ele escreveu e transformou em um livro que reinventou os clichês românticos de sua geração. Até porque o marido morre, mas as contas continuam bem vivas. 
Ele larga tudo no Rio pra viver seu amor em Budapeste. Ela não acredita quando ele chega em sua cozinha de madrugada, à meia-luz, e com sua mão leve de quem não acredita na veracidade do momento, faz a camisola dela deslizar pelos ombros, barriga, pernas, até que nada mais cubra o seu corpo cheio feito de curvas – as curvas que ele diz para o caro leitor que sempre sonhou percorrer, antes mesmo de conhecer. Paixão sem vista, conhece? 
O amor da sua vida morre depois do café da manhã. Ele vive cercado de lembranças; não há nenhum homem nesse mundo capaz de tapar esse buraco imenso no seu peito. Esse eterno cheiro de morte é a vida.  
Todos brigam, fazem as pazes, vivem, morrem, cortam os pulsos antes do parágrafo seguinte, atacam o bolo antes do parabéns, adivinham a música que toca no rádio sem que o cantor ou cantora já tenha cantado. Fotografam antes da pose. Dizem que amam antes mesmo de amar. Avançam o sinal. Vivem o studium almejando o punctum 
Dizem que são felizes para sempre. Mas morrem no final, independente da página ou do take em que vivem. 
Deixam de existir como se nunca tivessem existido. 
Como se nunca tivessem se abraçado. 
 
(Ouça a sua própria respiração)
 
(@nathalieg)

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