Você já olhou pro céu hoje?
Eu sempre faço essa pergunta. Eu, aqui,
mole, o corpo meio moído, o tempo meio vadio, o vento, o cabelo no
rosto, um olho no outro, a pele, tudo. Eu gosto disso, de estacionar na
área de serviço e só ouvir os carros, as horas, mais nada. A linha
vermelha. A Igreja da Penha. A paz que vem da euforia das árvores. As nuvens querendo esconder a lua.
Eu
sempre falo dela. E hoje ela tava tão linda, tão grande, tão perto. Ela
me disse umas coisas meio idiotas, queria me fazer rir porque sabia que,
a qualquer momento, meu copo ia entornar. Ela faz que não gosta de me
ver chorar, mas a verdade é que eu não tenho coragem de derramar na
frente de mais ninguém. Ela é uma bola branca emoldurada por uma janela
suja, e eu acho que já falei dela mais vezes do que deveria - como
aquele disco que você acabou de comprar e quer que todo mundo saiba, ou
aquele cara que você gosta que te pede em namoro de um jeito tão cafona
que você fotografa, pendura na parede, manda fazer uma camisa só pra
dizer ao mundo que venceu na vida.
Mas é que dela eu não me canso.
Porque
todo mundo se cansa de mim. E eu também me canso de um montão de
coisas: dos problemas, das dores, das selfies legendadas tão
positivamente que invadem meus muros virtuais como vírus. Mas também há
os que me descansam, como as luzes da cidade borradas pela ausência de
foco provocada pela miopia, como o reflexo da noite na janela franzida, o
vento que me carrega por todos os cômodos da casa, as horas, os
pronomes perdidos, o silêncio. O sorriso molhado de quem agradece. Os
primeiros respiros do amanhã. O clichê que nos inspira e nos diz que é
aqui, na área de serviço, com o quadril apoiado na máquina de lavar, com
o som de um caminhão apressado, é nesse vazio estonteante que a gente
se perde, que a gente se acha, que a gente se joga. Grades não existem. E
por um momento, nós também não existimos. E isso é incrível.
Você já se olhou hoje?
(Ouça Humoresque, Erroll Garner)
(Randall David)
Nenhum comentário:
Postar um comentário