quarta-feira, 20 de julho de 2016

Mais uma vez



                Tudo de novo.
                Você chega à casa, se joga no sofá, enfrenta o frio e o desespero da falta de criatividade para fazer algo decente para comer, procura algo que preste na tevê (mas logo desiste), explora todas as redes sociais atrás de um mísero assunto interessante, se distrai, ri por alguns minutos, se revolta com dez notícias sobre política, violência e inflação nas alturas, manda aquele parabéns quase atrasado pro seu ex-chefe e pra sua colega de trabalho que não te dá nem um bom dia, lê um artigo sobre aquele filme que você quer ver mas que todo mundo tá dizendo que é uma merda, suspira, apaga o celular, vai na cozinha, descobre uma pizza congelada com grande potencial para salvar a noite, acha um documentário sobre espécies aquáticas em extinção, não vê nem metade do documentário, não come nem metade da pizza, acha uma comédia americana de recém-casados, vê até o fim, bebe aquele suco de maracujá aguado que cê fez no final de semana até a última gota, desliga a tevê, caça uma garrafa de vinho, não acha, apela pro chocolate, recebe uma ligação, atende, conversam por quarenta minutos, a conversa termina com você mandando seu amigo procurar alguém que o valorize, e então você enfatiza o quanto você aprendeu a se valorizar e a não deixar ninguém pisar nos seus tão valiosos sentimentos, vocês desligam, o chocolate parece doce demais depois de três ou quatro mordidas, o apartamento se torna insuportável, você abre a janela, sente o frio da madrugada recém-chegada, fecha os olhos, se abre por dentro.
                Você quase chora. Quase, quase mesmo. Porque parece que a vida te deu uma leve endurecida, sabe? Não era pra ser. Mais uma vez você repete essa frase. Outro vai vir, e mais uma vez você vai sentir algo diferente, e vai ser tudo lindo nos primeiros dias. Mas veja bem: são só os primeiros dias. Só uns dias de descanso pra boa e velha solidão. Você se engana. Sempre, a todo instante. No começo, você se revoltava com esse eterno ciclo de enganos e desenganos, essa dança estranha, esse filme ruim. Mas aí você cresceu, e percebeu que esse não é o problema. A gente se distrai a todo instante. Quando vê, já tá na mão do outro, da outra, do que for. Não que seja uma relação de dependência; é mais uma questão de se sentir bem mesmo. Até que vem o enjoo, a falta de tempo, “a gente se fala outra hora”. E aí, mais uma vez, você precisa aprender a se virar consigo mesmo.
                Tudo de novo. 
                Você ri. Finge que tá tudo bem, que não importa, que não quer saber. E não quer saber mesmo! Ora, tem tanta coisa acontecendo na vida, tanta gente que passa a todo instante, tanta regrinha sendo atualizada constantemente na etiqueta desses relacionamentos vazios porém com a aparência impecável... Apesar de não ter tanta idade assim, você já passou da fase da primeiridões. Você sobrevive, e sabe que isso ainda vai acontecer tantas outras vezes; mas tudo bem, vida que segue, é igual biscoito, pinta esse cabelo, se joga na pista, I don’t know. E então você se flagra vazio, se esvaindo entre os dedos como os que passam por você e te fazem fechar os olhos nessa madrugada gelada dizendo pra si mesma: tudo de novo.
                De novo? Não.
                Já tem gente vazia demais nesse mundo. Gente que se cala, que se omite, que se faz de morta, que ri de piadas sem graça, que chora escondido e diz que o nariz vermelho é culpa da alergia, gente que se perde dentro de si mesmo mas faz questão de parecer mais orientado que todos os outros. Olha o que a vida faz com a gente. Ficamos repetitivos. As palavras viram dados viciados; o texto, um jogo perdido. Tudo tão blasé, sabe? Tão chato.
                Tão insuportável.
                Como uma mensagem não respondida, como uma noite sem um pé pra te esquentar, como uma panela de brigadeiro com uma só colher.
                Como essa solidão que a gente disfarça com um riso e atropela com a falsa ideia de autoafirmação. Mas olha só pra gente.
                Olha só.
                Nem a gente tem coragem de olhar.
                De sentir.
                A gente não tem coragem.
                ...
                Tudo de novo.

"Eu, você, nós dois, já temos um passado, meu amor, um violão guardado, aquela flor, e outras murmuras mais..."

(Ouça You don't know me, Caetano Veloso)




Nenhum comentário:

Postar um comentário