sábado, 7 de novembro de 2015

Tinder e a arte do encontro



                Resolvi me aplicar ao amor. Não, acho que devo refazer essa frase, já que esse tipo de amor carnal desgasta, violenta, suga energias e ainda tira a sua fome (que pecado, meu deus). Na verdade eu resolvi me jogar nas melhores e mais modernas tentativas de fugir do tédio e do sofrimento.
                Eu fui para o Tinder.
                Porque você sabe: se você quer compromisso, você há de correr para o bom e velho Bate-papo UOL, mais conhecido como o santo casamenteiro da Internet. Mas em tempos de indiretas metralhadas a todo instante e sofrências constantes por conta da solidão rasgante dos dias atuais, um app foi criado há algum tempo para facilitar encontros e ainda promover a democracia a partir do momento em que dá ao usuário a liberdade de escolher com quem ele quer conversar – ou torcer para combinar.
                Antes de citar a diversão que habita este aplicativo, precisamos frisar a necessidade do encontro – e não abro parênteses para os físicos ou virtuais. Acontece que por mais que caibamos muito bem na carapuça do tédio, o que queremos mesmo é bem específico. A necessidade do amorzinho gostoso e de “dormir de conchinha” é avassaladora. Quase assassina. E por mais livre e descolado que você tente ser, aguentar-se sem o apoio de alguém que tope um amor recíproco mesmo sabendo que não é você quem topa isso, mas é isso que topa você, bom, só essa ideia de solidão já te mata aos poucos.
                O encontro virou uma arte. Aliás, sempre foi – desde quando personagens de um filme se esbarram no meio da rua e começam um trelelê infinito que dá pano pra manga durante quase duas horas. O Tinder também promove essa arte, e por isso deve ser tão respeitado – o problema é que, no aplicativo, é como se o encontro virasse uma tela pintada por Romero Brito. Acho que deu pra entender que, com ou sem app, viveremos em busca de um romanceco barato que nos infle o ego, que nos dê uns momentos lindamente fotografáveis enquanto encostamos o rosto na janela e nos imaginamos num clipe da Norah Jones e que depois do fim, nos jogue num abismo tão grande que o nosso tesão por sofrimentos arcaicos do tipo se torne definitivamente uma doença.
                Agora vamos ao ritual de magia negra – porque se fosse a macumba que vocês tanto zoam/desrespeitam/abominam porém praticam, não seria tão desgastante quanto usar a nossa chaminha laranja. Aliás, é laranja ou vermelha?
                O Tinder é dividido em duas etapas. A primeira, na minha opinião, é a melhor de todas. É quando você escolhe – um processo de triagem mesmo.
                Esse é bonito. Mas óculos com lente colorida não dá.
                Esse usa pau de selfie.
                Esse vai dar trabalho.
                Esse precisa tomar um banho urgentemente.
                Esse usa boina. É legal.
                Esse usa pau de selfie.
                Esse é maravilhoso.
                Esse é um pênis ambulante.
                Esse usa pau de selfie.
                O processo parece desgastante, mas Deus, como é divertido. Escolher te dá a sensação de que você está no controle, e isso é um presente que o Tinder nos dá.
                Aí você deu like.
                O match rolou.
                Vamos para a conversa.
                Segundo as regras de etiqueta, o homem deve puxar assunto. Mas regras foram feitas para serem quebradas.
                A não ser que você tenha preguiça de iniciar a conversa.
                Vamos à segunda (e tediosa) etapa. O papo.
                Interrogatórios, elogios aleatórios , “quem você levaria para uma ilha deserta”. Uma conversa vazia, porém educada, o que por si só é um milagre. Às vezes você dá sorte. Às vezes, dá sorte realmente e desinstala o Tinder até a próxima fila de banco.
                Acontece que isso nos faz questionar o amor. Mais do que questionar o amor, questionamos a nossa missão nesse jogo de cartas marcadas onde a nossa felicidade baseada no princípio “é impossível ser feliz sozinho” do velho Jobim está em jogo. Questiona-se a necessidade de manter-se acompanhado e os N motivos para estar acompanhado: a intolerância à solidão, o medo da morte, o status, a alergia a gatos, os sonhos da infância, as perguntas de fim de ano, a aversão à casualidades (em alguns casos), o relógio psicobiológico. Apesar de ser suficiente na essência, bastar-se não é tudo. Há todo um processo de desapego que talvez só o Tinder seja capaz de resolver – ou não. Depende da mentalidade do usuário, do objeto de procura, da necessidade.
                Enquanto isso, esperamos sentados nosso match com o gato da hora.
                Ou fingimos esbarros hollywoodianos no meio da rua. 

(Ouça The Nearness of you, Norah Jones) 

(Alessio Rodiani)

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