Resolvi
me aplicar ao amor. Não, acho que devo refazer essa frase, já que esse tipo de
amor carnal desgasta, violenta, suga energias e ainda tira a sua fome (que
pecado, meu deus). Na verdade eu resolvi me jogar nas melhores e mais modernas
tentativas de fugir do tédio e do sofrimento.
Eu fui
para o Tinder.
Porque
você sabe: se você quer compromisso, você há de correr para o bom e velho
Bate-papo UOL, mais conhecido como o santo casamenteiro da Internet. Mas em
tempos de indiretas metralhadas a todo instante e sofrências constantes por
conta da solidão rasgante dos dias atuais, um app foi criado há algum tempo
para facilitar encontros e ainda promover a democracia a partir do momento em
que dá ao usuário a liberdade de escolher com quem ele quer conversar – ou torcer
para combinar.
Antes
de citar a diversão que habita este aplicativo, precisamos frisar a necessidade
do encontro – e não abro parênteses para os físicos ou virtuais. Acontece que
por mais que caibamos muito bem na carapuça do tédio, o que queremos mesmo é
bem específico. A necessidade do amorzinho gostoso e de “dormir de conchinha” é
avassaladora. Quase assassina. E por mais livre e descolado que você tente ser,
aguentar-se sem o apoio de alguém que tope um amor recíproco mesmo sabendo que
não é você quem topa isso, mas é isso que topa você, bom, só essa ideia de
solidão já te mata aos poucos.
O
encontro virou uma arte. Aliás, sempre foi – desde quando personagens de um
filme se esbarram no meio da rua e começam um trelelê infinito que dá pano pra
manga durante quase duas horas. O Tinder também promove essa arte, e por isso
deve ser tão respeitado – o problema é que, no aplicativo, é como se o encontro
virasse uma tela pintada por Romero Brito. Acho que deu pra entender que, com
ou sem app, viveremos em busca de um romanceco barato que nos infle o ego, que
nos dê uns momentos lindamente fotografáveis enquanto encostamos o rosto na janela
e nos imaginamos num clipe da Norah Jones e que depois do fim, nos jogue num
abismo tão grande que o nosso tesão por sofrimentos arcaicos do tipo se torne
definitivamente uma doença.
Agora
vamos ao ritual de magia negra – porque se fosse a macumba que vocês tanto
zoam/desrespeitam/abominam porém praticam, não seria tão desgastante quanto
usar a nossa chaminha laranja. Aliás, é laranja ou vermelha?
O Tinder
é dividido em duas etapas. A primeira, na minha opinião, é a melhor de todas. É
quando você escolhe – um processo de triagem mesmo.
Esse é
bonito. Mas óculos com lente colorida não dá.
Esse
usa pau de selfie.
Esse
vai dar trabalho.
Esse
precisa tomar um banho urgentemente.
Esse
usa boina. É legal.
Esse
usa pau de selfie.
Esse é
maravilhoso.
Esse é
um pênis ambulante.
Esse
usa pau de selfie.
O
processo parece desgastante, mas Deus, como é divertido. Escolher te dá a
sensação de que você está no controle, e isso é um presente que o Tinder nos
dá.
Aí você
deu like.
O match
rolou.
Vamos
para a conversa.
Segundo
as regras de etiqueta, o homem deve puxar assunto. Mas regras foram feitas para
serem quebradas.
A não
ser que você tenha preguiça de iniciar a conversa.
Vamos à
segunda (e tediosa) etapa. O papo.
Interrogatórios,
elogios aleatórios , “quem você levaria para uma ilha deserta”. Uma conversa
vazia, porém educada, o que por si só é um milagre. Às vezes você dá sorte. Às vezes,
dá sorte realmente e desinstala o Tinder até a próxima fila de banco.
Acontece
que isso nos faz questionar o amor. Mais do que questionar o amor, questionamos
a nossa missão nesse jogo de cartas marcadas onde a nossa felicidade baseada no
princípio “é impossível ser feliz sozinho” do velho Jobim está em jogo.
Questiona-se a necessidade de manter-se acompanhado e os N motivos para estar
acompanhado: a intolerância à solidão, o medo da morte, o status, a alergia a
gatos, os sonhos da infância, as perguntas de fim de ano, a aversão à
casualidades (em alguns casos), o relógio psicobiológico. Apesar de ser
suficiente na essência, bastar-se não é tudo. Há todo um processo de desapego
que talvez só o Tinder seja capaz de resolver – ou não. Depende da mentalidade
do usuário, do objeto de procura, da necessidade.
Enquanto
isso, esperamos sentados nosso match com o gato da hora.
Ou
fingimos esbarros hollywoodianos no meio da rua.
(Ouça The Nearness of you, Norah Jones)
(Alessio Rodiani)
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