terça-feira, 17 de novembro de 2015

A problemática



                Talvez seja o meu cabelo. Ele é tão natural, sem cor, sem vida... Se eu jogasse um balde de tinta, talvez resolvesse o problema. Ou talvez eu ficasse mais ridícula ainda.
                Meu nariz, possivelmente. Alto e gordo. Às vezes, olho pra ele e vejo uma coxinha – isso quando não vejo um saco escrotal. Se eu cortasse, reparasse, afinasse, arrancasse... E então não teria motivos para me importar ao me olhar no espelho – não teria motivos porque não teria ar.
                Deve ser essa minha bunda. O pouco que deus me deu parece um pedaço de queijo. E tem essas listras que cobrem a bendita, e quanto mais eu tento empinar a diaba, parece que piora minha lordose.
                Meus olhos. Olha pra isso! Tudo desnivelado, não posso sorrir com olho aberto porque um sempre vai sair mais fechado. Aliás, o meu sorriso... Todo torto, desregulado, estirado, retardado, nem parece que já chorou as dores do siso.
                Meu jeito de dançar. Ah, deve ser isso, com certeza. Porque quando eu danço, não consigo me encaixar no quadradinho do “suficiente” nem fazer estripulias à moda stiletto. Eu piso no pé alheio, acerto copos de cerveja, destruo poses para fotografias, eu saio de mim. Você não pode entender. Ninguém pode entender.
                E as minhas roupas? Eu não sei seguir a moda, eu não tenho tempo, eu não tenho dinheiro, eu não tenho disposição. Não frequento a academia e como sem moderação. E a maquiagem? Eu vivo de batom vermelho, e quando você me beija eu te mancho inteiro, e você fica parecendo um palhaço – mas a palhaça sou eu! Não tenho unhas postiças para arranhar tuas costas na hora do bem-bom – como eu bem disse, eu como sem moderação.
                Ah, deve ser a minha família. Tão regrada, chata, tradicional! Deve ser o meu quarto, o meu jeito, o meu seio, o meu corpo inteiro, a minha alma cheia de devaneios, o meu gosto musical. Talvez eu seja o problema. Tarja preta para um faixa branca.
                Mas pelo menos eu não julgo. Não me reservo, não me preservo do que a vida me dá sem rodeios, sem essa coisa de levar a sério. O que pintar eu assino, assim como o poeta, assim como o destino. Se sou toda errada, deus me livre ser a certinha. Deus me livre ser a mocinha. Deus me livre ser a bonitinha.
                Deus me livre ser a zinha. Eu quero é ser asa. Ter asas. Voar.
                Coisa que a tua cabecinha não te deixa tentar. 

(Ouça Survivor na voz da deusa-louca-feiticeira Clarice Falcão) 

(Mariana Andrade)

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