terça-feira, 21 de julho de 2015

Um estranho no ninho

É só mais um dia normal.
               Se eu tivesse um cigarro agora, fumaria – mesmo sem nunca ter colocado um cigarro na boca em toda a vida. Apagaria a luz, colocaria aquele velho disco de vinil, tomaria um uísque, soltaria aquela fumaça e pronto, lá estava eu protagonizando um romance barato sobre a minha própria vida. O problema é que eu não tenho disco de vinil – mal tenho CD. Não faço a menor ideia de como é o gosto de um uísque. E como eu já disse, bom, eu não fumo.
               Isso é tão estranho... Pensar, surtar, sentir, negar, evitar, pensar de novo, rezar, clamar, declarar, surtar mais uma vez, viver por isso, morrer por causa disso, não entender absolutamente nada. Deve ser da idade, já dizia Marina. A idade que me pegou agora, há pouco tempo, quando eu tava distraído pensando em uma maneira simples e eficaz de brilhar mais do que os outros. Justo quando tudo que eu queria era ser transparente, reluzente, estonteante. E olha que eu sou agora? Alguém que finge viver num filme xexelento só pra não se dar ao trabalho de encarar a vida como ela é.
               Você tem algo que faz com que tudo dentro de mim dance. Como se você fosse uma canção... E talvez você seja. Aquela canção. Aquela que toca quando não deve tocar, mas que acaba fazendo sua própria hora, e como lutar contra isso? Você me faz correr, gritar, pular, olhar para os lados, morder os lábios, falar tudo o que penso, cantar, sorrir, entrar em choque. Ao mesmo tempo, você não é nada. Não te conheço. Não sei de onde veio. Só sei que seu jeito combina demais com o meu; deve ser um sósia de alguém que eu procuro a vida inteira, mas que não conheço o rosto. Nem sei se quero mesmo te conhecer. Se quero viver essas coisas, conjugar esses verbos, entrar nessa doideira que invento e desinvento por puro sadomasoquismo. A verdade é que não sei o que quero... Ou talvez eu saiba.
               Acho que quero voar. Quem sabe ser um pássaro. Um pássaro à prova de grades e ilusões idiotas. À prova de surtos psicóticos. À prova do tempo. Pronto, é isso que quero ser. Quero voar tanto e pra tão longe... De tudo, de todos. Até mesmo de você.
               Seja você quem for.  
               De qualquer forma, meu mais nobre agradecimento a você, meu caro estranho. 

(Ouça Lullaby, The Cure) 

(Sergej Ovcharuk)

Nenhum comentário:

Postar um comentário