segunda-feira, 13 de julho de 2015

A graça da coisa



Engraçado como as melhores ideias do mundo surgem justamente quando estamos mais ocupados e não podemos alcançar o bloco de notas para registrar a luz que nos invade o cérebro – até conseguimos alcançar o tal bloco de notas, mas é como se essas ideias se tornassem inacessíveis quando resolvemos explorá-las. Engraçado como todos os parágrafos que começam com a palavra “engraçado” não têm nenhuma graça. Engraçado como ainda insistimos nesse jogo de perguntas sem respostas, como ainda nos jogamos dos mesmos penhascos, como somos esquisitos, entediantes, entediados. Como ainda nos iludimos... Ah, deve ser por isso que somos engraçados, por causa da eterna tragédia de ser. A graça está na queda, no tropeço, na ferida aberta, no alheio. Apontar é tão engraçado... Julgar, padronizar, ditar regras, fingir que se tem um poder imaginário sobre todas as coisas... Como somos ridículos! Patéticos! Como pode a vida ser um circo!
               Hoje eu não quero ser engraçada. Não quero fazer piadas involuntárias, nem mesmo colocar um nariz de palhaço e fazer alguém rir até a barriga doer. A madrugada me faz pensar que não preciso disso, não preciso de plateia, de risadas, de eternas (e insuportáveis) palhaçadas. A audiência pra mim já não tem mais graça. Eu quero é curtir um bom drama, rever umas memórias, quem sabe voltar ao último réveillon... Eu gosto de réveillons. Gosto de tudo que é novo – mesmo sendo velho, o que é estranho, mas não chega a ser engraçado, ainda bem. O dia em que eu me acabei de sambar no meio da rua, fechei os olhos e deixei a música levar meu corpo da forma mais sutil e menos poética que existe. O dia em que o céu se fez colorido em plena noite, e os cachorros gritavam de pavor, coitados. Quanto riso, quanta alegria. O mundo gira e eu nem saí do chão. Tudo vira confete, e olha que o carnaval nem começou. Tudo é tão patético... É tão simples... É tão... É tão forte! É o que é. Engraçado, dramático, sofrível... É a vida. E o mais estranho é que ela é tosca, grotesca, uma ogra. E mesmo assim é a nossa menina dos olhos.
               Pensando bem, hoje eu dispenso todo e qualquer adjetivo –  até mesmo aquele “gostosa” básico, bom, talvez esse mais ainda. Eu não quero nada que alimente minha vaidade ou minha vontade de cortar os pulsos. Eu só quero ser eu. Deitar na cama, relaxar, terminar aquele livro que eu empurro com a barriga há meses, falar com Deus, esticar bem as pernas, pôr minha máscara, agarrar minha almofada e dormir, dormir até a última gota, até o último suspiro, até o último ronco que me for possível roncar – ai meu Deus, será que eu ronco?
               Topo sonhar. Com uma cena de Chaplin. Com uma lágrima de novela. Com um réveillon. Topo repetir sonhos, palavras, rimas... Todo o ritual. Sempre. Eu não me importo. Eu só quero que essas luzes lá de fora brilhem mais do que eu – e isso não é modéstia, é egoísmo mesmo.
               Que o dia termine bem. 
               Que nada termine, pensando bem. 

(Ouça Errática, Gal Costa) 


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