quinta-feira, 30 de julho de 2015

Para Reginaldo



Garçom, me traz
um poema grelhado
besuntado no azeite
e na falta de razão?
Um chope gelado porque
ninguém é de ferro,
talvez um cigarro
pra esquentar o pulmão
uma bala de menta
pra refrescar as ideias,
absorver os sabores
e controlar o paladar
talvez um pouco de rima
caia bem nesse prato
talvez um pouco de tino
um tanto de excesso,
uma falta de ar,
uma neblina de fumaça
do café que embaça a vista
e me faz funcionar apenas
com uso de instrumentos
Não entendo porque não anota,
garçom,
por que não anota o que penso?
Me deram um diploma
num canudo de milshake
mas meu negócio é a cerva
que não rima com sheik
meu negócio é a vida
e uma porção de fritas
pra começar os trabalhos.
Por obséquio,
chame o gerente.
Nada não...
Só quero elogiar
seu sorriso convincente. 

(Ouça Whiskey, whiskey, whiskey, John Mayer) 

(Tumblr)

domingo, 26 de julho de 2015

Falando sério

               Hoje eu parei pra pensar numa pergunta que eu faria a mim mesma caso eu fosse outra pessoa e desse de cara com essa que vos fala – vou tentar desenhar melhor com as letras: como se essa daqui fosse AB, mas numa realidade paralela, eu fosse C e encontrasse AB. Por que duas letras para me representar? Olha, se eu não soubesse controlar tanto o meu ego, seria o alfabeto inteiro.
               Ah, sim, a pergunta.
               Por que eu falo de coisas “bonitas”? Bom, às vezes eu falo de sofrimento, mas é tudo aparentemente tão pequeno, tão sub-existencial, tão fora da realidade padrão cheia de problemas e afins, enfim, por que eu pareço tão superficial de vez em quando? Por que não falo de política, por que não compro brigas, por que sou assim? Por que você é assim, Nathalie?
               Bom, vamos lá.
               Eu acho que o mundo tem problema demais. Todo mundo acha isso, mas eu realmente defendo essa ideia de que o planeta tá sobrecarregado, tá faltando solução e sobrando encrenca nesse mundo que ora se pinta de filme de aventura da sessão da tarde, ora parece um terror japonês. Sou viciada em portais de notícias, em matérias bizarras, em manchetes inimagináveis, mas hoje em dia é tão entediante ligar a televisão ou acessar a web e ver sempre as mesmas coisas, os mesmos absurdos, as mesmas plaquinhas pedindo justiça como se ela estivesse escondida esperando ser solicitada... Quando se trata de política, dispenso bandeiras, heróis, vilões. Tudo que eu quero é liberdade, respeito, honestidade... Essas coisas básicas que a gente não precisa nem pedir, já deviam estar inclusas no pacote. A mulher continua desvalorizada, os animais são tratados como lixo, as crianças continuam sem futuro... É tudo a mesma zona de sempre. Mas se a minha impressão de mim mesma continua um lixo para mim (Deus, que confusão), então pulemos para o próximo parágrafo para mudar esse quadro o quanto antes.
               Eu não tenho animais em casa, mas isso não quer dizer que eu não sofra quando vejo um olhar desamparado na rua ou um bichinho sendo maltratado. Isso não quer dizer que eu não brigue por eles quando devo brigar. E se não tenho animais, é porque acredito que eles sejam como filhos, e no momento não tenho estrutura para cuidar devidamente de um. Sou a favor da legalização do aborto – por uma questão de saúde pública. Ninguém deve julgar a decisão do outro por uma razão bem simples: cada um sabe de si. Ah, e essa de colocar Deus no meio nunca resolve. Para de usá-lo como justificativa pra tudo e deixa Ele te dar sabedoria, vai. Também sou a favor da legalização da maconha. Não, não sou usuária e sinceramente não tenho a menor curiosidade a respeito do seu uso, mas também meto a possível desculpa da saúde pública no meio – e não, não é desculpa. Eu era contra porque fui criada para ser contra, mas a partir do momento em que você ganha senso crítico e aprende a enxergar as coisas como elas realmente são, bom, você muda de opinião. Sou a favor do casamento gay, e realmente acredito que todo ser humano seja bissexual. Até aqui nunca me senti atraídas por pessoas do meu sexo, mas vai que um dia eu me apaixono por uma mulher, meu Deus? Vai ter algum raio de problema nisso? Acho que o amor é coisa forte e pura demais pra se rotular. Não aceito viver numa sociedade em que eu não possa andar de mãos dadas com uma amiga ou com a minha própria mãe na rua por medo de apanhar. Também não aceito ser olhada da forma mais nojenta possível por algum marmanjo que cruze a mesma calçada que eu. A raiva que me dá é indescritível. Toda mulher já passou por alguma situação de abuso na vida, e não dá pra ficar medindo esforços pra deter esse tipo de coisa. Me revolta ler alguma notícia sobre violência. Assim como me revolta ver gente que paga na mesma moeda, como se fosse resolver alguma coisa. Sou contra a redução da maioridade penal, o porte de armas, a morte do Jon Snow e essa barra que é gostar de você.
               Ah, e sou vercillete. Mas isso já não é novidade (o que não tira a importância dessa informação).
               No mais, prefiro continuar falando da vida, da gente, de amor, de dor, de coisas que eu gosto, da madrugada, da lua, da primavera, enfim, dessas coisas que vocês acham bobinhas, mas que são extremamente necessárias pra que a gente pare e pegue no compasso de vez em quando.
               É isso. 
(Ouça Para não dizer que não falei das flores, Geraldo Vandré) 

(Tumblr)

terça-feira, 21 de julho de 2015

Um estranho no ninho

É só mais um dia normal.
               Se eu tivesse um cigarro agora, fumaria – mesmo sem nunca ter colocado um cigarro na boca em toda a vida. Apagaria a luz, colocaria aquele velho disco de vinil, tomaria um uísque, soltaria aquela fumaça e pronto, lá estava eu protagonizando um romance barato sobre a minha própria vida. O problema é que eu não tenho disco de vinil – mal tenho CD. Não faço a menor ideia de como é o gosto de um uísque. E como eu já disse, bom, eu não fumo.
               Isso é tão estranho... Pensar, surtar, sentir, negar, evitar, pensar de novo, rezar, clamar, declarar, surtar mais uma vez, viver por isso, morrer por causa disso, não entender absolutamente nada. Deve ser da idade, já dizia Marina. A idade que me pegou agora, há pouco tempo, quando eu tava distraído pensando em uma maneira simples e eficaz de brilhar mais do que os outros. Justo quando tudo que eu queria era ser transparente, reluzente, estonteante. E olha que eu sou agora? Alguém que finge viver num filme xexelento só pra não se dar ao trabalho de encarar a vida como ela é.
               Você tem algo que faz com que tudo dentro de mim dance. Como se você fosse uma canção... E talvez você seja. Aquela canção. Aquela que toca quando não deve tocar, mas que acaba fazendo sua própria hora, e como lutar contra isso? Você me faz correr, gritar, pular, olhar para os lados, morder os lábios, falar tudo o que penso, cantar, sorrir, entrar em choque. Ao mesmo tempo, você não é nada. Não te conheço. Não sei de onde veio. Só sei que seu jeito combina demais com o meu; deve ser um sósia de alguém que eu procuro a vida inteira, mas que não conheço o rosto. Nem sei se quero mesmo te conhecer. Se quero viver essas coisas, conjugar esses verbos, entrar nessa doideira que invento e desinvento por puro sadomasoquismo. A verdade é que não sei o que quero... Ou talvez eu saiba.
               Acho que quero voar. Quem sabe ser um pássaro. Um pássaro à prova de grades e ilusões idiotas. À prova de surtos psicóticos. À prova do tempo. Pronto, é isso que quero ser. Quero voar tanto e pra tão longe... De tudo, de todos. Até mesmo de você.
               Seja você quem for.  
               De qualquer forma, meu mais nobre agradecimento a você, meu caro estranho. 

(Ouça Lullaby, The Cure) 

(Sergej Ovcharuk)

domingo, 19 de julho de 2015

Sem retoques

Parei para ouvir o álbum novo do Tiago Iorc, “Troco likes”. Para quem não o conhece, é um menino simpático que vez ou outra canta alguma música que vai parar na trilha sonora de alguma novela. O primeiro álbum completamente em português – ok, há um bônus, em inglês, por sinal. Bom, sem críticas – até porque não consigo criticar algo que amo.
A questão não é a potência da voz, a técnica, o arranjo, essas coisas. Não ligo pra nada disso. Não no momento. Não ligo para filtros, legendas fofinhas, hashtags, essas coisas. Acho que consegui me deixar levar pelo espírito do álbum mais do que gostaria. Um comentário é obrigatório para que esse texto chegue a algum lugar: o nome do cd, uma brincadeira com uma das frases mais insuportáveis em tempos de Instagram (e todas as outras redes). Foi uma das coisas mais perspicazes que já vi por aí – e olha que eu sou uma caçadora de perspicácia. Bom, eu tento ser.
Quase todas as canções desse disco levam uma camada extra de autorreflexão. Músicas que fazem pensar e não são chatas: o cara merece um prêmio. Mas pensar sobre o quê? Sobre o nosso descontrole ao usar as redes sociais (meu Deus, que termo mais chato)? Sobre a forma como nos isolamos, e principalmente sobre a incrível habilidade de enxergamos o mundo através da câmera do celular? Sim, mas não é só isso. Pensar sobre o somos, sobre o que nos tornamos, sobre o que cultivamos e queremos. Perfeitos? Não, apenas cheios de filtros. A perfeição leva moldura e ainda vem com a opção “esmaecer”. Ajuste a cor, a temperatura, o contraste. Pese na saturação. Escolha o melhor ângulo. Congele. Fique ligado, afinal a foto não dura a vida inteira.
A foto não dura a vida inteira. Eita.
Aí a gente percebe que virou fantoche. Entramos numa fantasia vazia, criamos um mundo paralelo onde o que interessa é ser curtido, compartilhado, comentado – falem mal de mim, mas falem. Polêmica, meme, trollagem. Essa rotina cansa, e essa última frase não poderia ter sido mais clichê.
Penso em me afastar um pouco dessas tais redes. Sei lá, por um tempo. Uma desintoxicação – talvez seja uma forma de me encontrar comigo mesma, e então largar a câmera, o vício em megapixels, a contagem de curtidas. Viver com meus próprios olhos. Me entregar ao que não conheço, e que não se esconde por trás das telas – sentimentos, talvez. Dar uma segurada na miopia, porque já chega de ver meu grau disparar e de levar bronca do médico. Controlar a tal da ansiedade. Parar de roer as unhas. Deixar de me preocupar, de correr atrás daquele bonitinho que curtiu meu status ou que botou uma carinha feliz no meu perfil. Economizar a bateria do celular. Fazer a vida valer, e então sorrir sem precisar forçar a barra. Sorrir por sorrir. Ou não. Ser dona de mim, do que sinto, do que quero. Não mais me sentir um robô.
   Eu devo estar viajando, admito. Devo estar desbravando um mundo dentro de mim que não conheço, que não entendo, que até outro dia não me dizia respeito. Passei a olhar pra dentro de mim, e acho que fiz um ótimo negócio. Essa coisa de mudar de opinião é o que faz tudo valer a pena, e por enquanto, a minha fica assim, guardadinha num post lido por poucos (mas não menos especiais).
Obrigada, Tiago. Se puder, me siga de volta. Mas cuidado: ainda não sei para onde vou. 

(Ouça Sol que me faltava, Tiago Iorc)


(Tumblr)

segunda-feira, 13 de julho de 2015

A graça da coisa



Engraçado como as melhores ideias do mundo surgem justamente quando estamos mais ocupados e não podemos alcançar o bloco de notas para registrar a luz que nos invade o cérebro – até conseguimos alcançar o tal bloco de notas, mas é como se essas ideias se tornassem inacessíveis quando resolvemos explorá-las. Engraçado como todos os parágrafos que começam com a palavra “engraçado” não têm nenhuma graça. Engraçado como ainda insistimos nesse jogo de perguntas sem respostas, como ainda nos jogamos dos mesmos penhascos, como somos esquisitos, entediantes, entediados. Como ainda nos iludimos... Ah, deve ser por isso que somos engraçados, por causa da eterna tragédia de ser. A graça está na queda, no tropeço, na ferida aberta, no alheio. Apontar é tão engraçado... Julgar, padronizar, ditar regras, fingir que se tem um poder imaginário sobre todas as coisas... Como somos ridículos! Patéticos! Como pode a vida ser um circo!
               Hoje eu não quero ser engraçada. Não quero fazer piadas involuntárias, nem mesmo colocar um nariz de palhaço e fazer alguém rir até a barriga doer. A madrugada me faz pensar que não preciso disso, não preciso de plateia, de risadas, de eternas (e insuportáveis) palhaçadas. A audiência pra mim já não tem mais graça. Eu quero é curtir um bom drama, rever umas memórias, quem sabe voltar ao último réveillon... Eu gosto de réveillons. Gosto de tudo que é novo – mesmo sendo velho, o que é estranho, mas não chega a ser engraçado, ainda bem. O dia em que eu me acabei de sambar no meio da rua, fechei os olhos e deixei a música levar meu corpo da forma mais sutil e menos poética que existe. O dia em que o céu se fez colorido em plena noite, e os cachorros gritavam de pavor, coitados. Quanto riso, quanta alegria. O mundo gira e eu nem saí do chão. Tudo vira confete, e olha que o carnaval nem começou. Tudo é tão patético... É tão simples... É tão... É tão forte! É o que é. Engraçado, dramático, sofrível... É a vida. E o mais estranho é que ela é tosca, grotesca, uma ogra. E mesmo assim é a nossa menina dos olhos.
               Pensando bem, hoje eu dispenso todo e qualquer adjetivo –  até mesmo aquele “gostosa” básico, bom, talvez esse mais ainda. Eu não quero nada que alimente minha vaidade ou minha vontade de cortar os pulsos. Eu só quero ser eu. Deitar na cama, relaxar, terminar aquele livro que eu empurro com a barriga há meses, falar com Deus, esticar bem as pernas, pôr minha máscara, agarrar minha almofada e dormir, dormir até a última gota, até o último suspiro, até o último ronco que me for possível roncar – ai meu Deus, será que eu ronco?
               Topo sonhar. Com uma cena de Chaplin. Com uma lágrima de novela. Com um réveillon. Topo repetir sonhos, palavras, rimas... Todo o ritual. Sempre. Eu não me importo. Eu só quero que essas luzes lá de fora brilhem mais do que eu – e isso não é modéstia, é egoísmo mesmo.
               Que o dia termine bem. 
               Que nada termine, pensando bem. 

(Ouça Errática, Gal Costa)