sábado, 8 de novembro de 2014

Enquanto você (não) dorme



               A noite cai... E o meu corpo também. O colchão é o um mar de rosas, o melhor lugar onde posso estar. Eis o melhor ritual que há: apagar a luz/Deixar um feixe entrar pela cortina só pra lua não se sentir sozinha/Ajeitar a coluna/Abraçar a almofada/Fazer sinal da cruz; quem sabe, rezar/Fechar os olhos.
               Fechar os olhos.
               Fechar.
               Os olhos.
               E a mente lá, aberta como um livro, escancarada como uma fratura exposta, girando, rodopiando, surtando. O dia foi bom. Acordei, cumpri minhas tarefas, fiz tudo ao pé da letra. Dei bom dia, boa tarde e boa noite. Abusei das vírgulas. E ao encerrar esta página, é como se as letras quisessem trocar de lugar e formar novas palavras – que formariam novos atos. Aquele dinheiro que falta. Lembrar-se de abrir a carteira e encontrar um vazio maior que a minha crise existencial. Dívidas, tantas que já perdi as contas – no momento, só sei pagá-las com trocadilhos infames. Aquela mensagem que me esqueci de enviar. Aquela pessoa importante com quem não falei – era coisa boba, mas não importa, o que seria da vida se não falássemos coisas bobas de vez em quando? Pior que falar coisas bobas é não falar. Aquele café amargo, aquele empadão que não caiu bem, aquela música estridente no rádio, aquela notícia que não sai da cabeça, aquela vontade de tomar um chope gelado e sumir, suar, escorrer... Aquele tempo que não passa. Abrir os olhos. Não ver o teto. Pensar. Pensar tanto que dói.
               Aquilo que não deu certo. Não foi pra frente. Decepcionou. Aquele ponto final com cara de reticências, aquele diálogo de um travessão só. Aquela coisa que estranha que a gente vive demonstrando com o mesmo pronome, com a mesma impaciência, com o mesmo vigor... Até ficar repetitivo, cansativo, insuportável. O dinheiro que gastamos. O amor que gastamos. Dinheiro e amor se poupam? Não, nós que nos devíamos nos poupar desses dois. A diferença é que ao ficarmos sem dinheiro só ficamos pobres, enquanto que, sem amor, ficamos fracos, vazios, não somos absolutamente nada. Apenas clichês.
               Olhar o lado da cama vazio. Pensar no outro; fazer cantigas de amor ou de amigo? Imaginar o encontro dos ponteiros. Imaginar-se encontrando a si mesmo. Chorar, porque parece que essa é a melhor hora.
               Afogar-se em lágrimas e pensamentos.
               Fechar os olhos de cansaço. O que vem da alma, sabe?
               Dormir.
               Acordar com outra alma.
               Dormir com outro cansaço. 

(Ouça Me dê motivo, Tim Maia)

(Stefano Orazzini)

Nenhum comentário:

Postar um comentário