De
todas as coisas do mundo, poucas me assustam mais do que uma frase que ouvi há
tempos. Veio de alguém desprezível, mas não importa: a tal frase me marcou. O tipo de coisa que faz
a gente rever todos os nossos conceitos em plena madrugada, tirando o sono, a
sede e a fome – além de nos deixar insuportavelmente exagerados.
“Palavras
o vento leva”.
Quer
dizer então que o mundo depende do papel? Que todos os contratos são mais
importante do que as promessas ao melhor estilo olho no olho? Será que ter esse
suposto dom de escrever bem não é um dom, mas sim uma piada dos deuses?
Dia
desses, pensei em casamento. Sabe como é, sempre tem algum amigo ou parente que
resolve “embarcar nessa aventura”, como se a vida fosse um filme da sessão da
tarde em que o mais importante é aprontar altas confusões – hehe. Eu não sei
quem foi que inventou essa coisa de casamento, de vestido branco, marcha
nupcial, lua de mel, taças de champanhe... Dos mesmos criadores da ideia de que
meninas só viram mulheres ao usarem salto e dançarem com seus príncipes em
luxuosas festas de quinze anos: o casamento do ano. Ora, você gasta uma fortuna
(que por sinal você não tem) montando uma festa para esfregar na cara de todos
e chama de casamento. Consequências? Além do nome sujo na praça, a obrigação de
aguentar aquele(a) sujeito(a) que você nem sabe se ama mesmo, mas que ficou bem
vestido(a) de noivo(a). Mas dane-se: a festa foi linda.
Quem
inventou a atual concepção de casamento é um cara que me dá pena. Um cara que
acredita que o amor nasceu pra ser tatuado no papel – o amor ou qualquer coisa
que se pareça com ele, porque se tem uma coisa que eu aprendi é que o papel é
pano de fundo pra nossa imaginação; portanto, que se dane o que é real, o que é
dito ao pé do ouvido, no fundo dos olhos, sabe, aquele fundo escondido, quase
um cofre perdido dentro da gente. Um burocraticozinho merecedor de uma boa
surra de papel picado numa noitada pra ver se descobre que a vida é muito mais
do que o quadrado em que ele se trancou por puro capricho. Um coitado.
Se o amor tiver que ser registrado, que seja em fotos, em lembranças, em sorrisos de satisfação. Em crises também, até porque não somos nada sem uma bela sacudida... Mas não. Nada que encarne um conto de fadas. Nada que não seja cabível dentro da palavra "fato". Nada que não possa ser contestado, e depois testado, aprovado, e então contestado e por aí vai, numa gostosa ciranda onde o importante é viver até ficar tonto, zonzo, louco.
Se o amor tiver que ser registrado, que seja em fotos, em lembranças, em sorrisos de satisfação. Em crises também, até porque não somos nada sem uma bela sacudida... Mas não. Nada que encarne um conto de fadas. Nada que não seja cabível dentro da palavra "fato". Nada que não possa ser contestado, e depois testado, aprovado, e então contestado e por aí vai, numa gostosa ciranda onde o importante é viver até ficar tonto, zonzo, louco.
O
papel mancha, se rasga, se perde nas gavetas, nas latas de lixo, nas caixas
empoeiradas. Papel o vento leva. Tem prazo de validade. Sei disso porque
aprendi e aprendo todo santo dia que o que a gente diz é muito mais importante
do que as formalidades que escreve e depois registra no cartório. A vida é
muito maior do que uma árvore de eucalipto.
As
palavras, ah, elas não. Elas são eternas. A nossa voz é tudo que a gente pode
deixar nesse planeta. É a extensão do que somos. O vento seca a tinta, mas não
é capaz de abafar a voz. As palavras, meu caro, são para os humanos. Os seres
humanos de verdade... Não os que o vento leva com o papel.
Casamentos,
contratos, cheques, testamentos, diários... Todas essas burocracias idiotas, ah, que queimem na
brasa. Mas deixem a minha voz intacta, se não for pedir muito. E deixem os livros também. Exceção.
No
momento, imagine-me dizendo tudo isso ao pé do seu ouvido – com a voz mais sexy
que puder imaginar, claro.
(Ouça A palavra certa, Paralamas)
(Tumblr)
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