quarta-feira, 16 de abril de 2014

O que o vento leva



            De todas as coisas do mundo, poucas me assustam mais do que uma frase que ouvi há tempos. Veio de alguém desprezível, mas não importa: a tal frase me marcou. O tipo de coisa que faz a gente rever todos os nossos conceitos em plena madrugada, tirando o sono, a sede e a fome – além de nos deixar insuportavelmente exagerados.
            “Palavras o vento leva”.
            Quer dizer então que o mundo depende do papel? Que todos os contratos são mais importante do que as promessas ao melhor estilo olho no olho? Será que ter esse suposto dom de escrever bem não é um dom, mas sim uma piada dos deuses?
            Dia desses, pensei em casamento. Sabe como é, sempre tem algum amigo ou parente que resolve “embarcar nessa aventura”, como se a vida fosse um filme da sessão da tarde em que o mais importante é aprontar altas confusões – hehe. Eu não sei quem foi que inventou essa coisa de casamento, de vestido branco, marcha nupcial, lua de mel, taças de champanhe... Dos mesmos criadores da ideia de que meninas só viram mulheres ao usarem salto e dançarem com seus príncipes em luxuosas festas de quinze anos: o casamento do ano. Ora, você gasta uma fortuna (que por sinal você não tem) montando uma festa para esfregar na cara de todos e chama de casamento. Consequências? Além do nome sujo na praça, a obrigação de aguentar aquele(a) sujeito(a) que você nem sabe se ama mesmo, mas que ficou bem vestido(a) de noivo(a). Mas dane-se: a festa foi linda.
            Quem inventou a atual concepção de casamento é um cara que me dá pena. Um cara que acredita que o amor nasceu pra ser tatuado no papel – o amor ou qualquer coisa que se pareça com ele, porque se tem uma coisa que eu aprendi é que o papel é pano de fundo pra nossa imaginação; portanto, que se dane o que é real, o que é dito ao pé do ouvido, no fundo dos olhos, sabe, aquele fundo escondido, quase um cofre perdido dentro da gente. Um burocraticozinho merecedor de uma boa surra de papel picado numa noitada pra ver se descobre que a vida é muito mais do que o quadrado em que ele se trancou por puro capricho. Um coitado.
               Se o amor tiver que ser registrado, que seja em fotos, em lembranças, em sorrisos de satisfação. Em crises também, até porque não somos nada sem uma bela sacudida... Mas não. Nada que encarne um conto de fadas. Nada que não seja cabível dentro da palavra "fato". Nada que não possa ser contestado, e depois testado, aprovado, e então contestado e por aí vai, numa gostosa ciranda onde o importante é viver até ficar tonto, zonzo, louco.
            O papel mancha, se rasga, se perde nas gavetas, nas latas de lixo, nas caixas empoeiradas. Papel o vento leva. Tem prazo de validade. Sei disso porque aprendi e aprendo todo santo dia que o que a gente diz é muito mais importante do que as formalidades que escreve e depois registra no cartório. A vida é muito maior do que uma árvore de eucalipto.
            As palavras, ah, elas não. Elas são eternas. A nossa voz é tudo que a gente pode deixar nesse planeta. É a extensão do que somos. O vento seca a tinta, mas não é capaz de abafar a voz. As palavras, meu caro, são para os humanos. Os seres humanos de verdade... Não os que o vento leva com o papel.
            Casamentos, contratos, cheques, testamentos, diários... Todas essas burocracias idiotas, ah, que queimem na brasa. Mas deixem a minha voz intacta, se não for pedir muito. E deixem os livros também. Exceção.
            No momento, imagine-me dizendo tudo isso ao pé do seu ouvido – com a voz mais sexy que puder imaginar, claro. 

(Ouça A palavra certa, Paralamas) 

(Tumblr)

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