segunda-feira, 7 de abril de 2014

Obituário



Luiza, 2 anos.
            A bebê mais bonita do berçário nos deixou neste domingo festivo de junho. Foi tranquila, serena e com aparência feliz – mas dormiu antes da hora dos parabéns. O tempo passou rápido, e seus pais sentirão saudades de seus choros progressivos durante a noite, de suas golfadas e de trocar suas fraldas. Deixará saudades.

Luiza, 6 anos.
            Este é mais um mês de junho comovente. A doce Luiza de seis anos nos deixa após anos de fofices e cute-cutes para os parentes – as focices continuam, mas agora Luiza é uma mocinha. A menininha de maria-chiquinha e que não se preocupava em cruzar as pernas ou ajeitar a saia se vai deixando um rastro de saudade e outro de curiosidade.

Luiza, 12 anos.
            Após longa espera, a criança nos deixa com uma estranha pré-adolescente. Nunca mais teremos festas infantis. Nunca mais iremos ao cinema ver desenhos. Nunca mais brincaremos de adedonha. Nunca mais seremos crianças com Luiza no jardim. Nunca mais os pedidos para raspar a bacia do bolo, para contar uma história antes de dormir. Saudades eternas.

Luiza, 18 anos.
            Antes de junho chegar, mais uma Luiza foi embora. Despedida inquieta, elétrica, quase radioativa. A adolescente se foi após longos anos de crises de autoestima e problemas com o recém-descoberto fluxo menstrual. Nunca mais o controle, as regras, os castigos, as broncas. Luiza agora é moça, estuda para ser gente, namora, sai à noite. Mais uma Luiza morta por uma Luiza. Os pais não conseguem entender tamanha perda - o clima é de tristeza e revolta. Luiza também não entende como o tempo passou rápido, e a única coisa que faz é jogar uma rosa na lápide de sua antiga versão – além de sofrer com a agonia da incerteza se conseguirá ou não ocupar o espaço da antiga Luiza no coração de seus pais. Vá em paz, Luluzinha. Seja bem vinda, senhorita de nome sério e corpo de mulher.
           
Luiza, 30 anos.
            Mais uma estrela que parte. A jovem Luiza partiu durante uma crise existencial ocorrida enquanto via um comercial de absorvente. Deixa seus vestidos floridos e suas sombras coloridas para trás, além de um bando de sorrisos tolos. Luiza agora é mais do que adulta: é dos trinta. O incrível mundo do 3.0 – Luiza agora é um automóvel.

Luiza, 50 anos.
            A mulher de trinta nos deixa com lágrimas nos olhos e convites para participar de comerciais de cremes antirrugas. Luiza parte para o mundo das fotografias, das lembranças vivas, onde vivem todas as outras Luizas que se sacrificaram para que essa existisse. A nova Luiza está feliz, porém tem medo da última despedida.

Luiza, 81 anos.
            Em algum lugar, todas as Luizas dançam e cantam. A família se reúne para uma despedida – uma despedida que virou recomeço. Luiza vive em todas as memórias – boas e ruins – que deixou. Foi feliz e fez feliz. Agora, é bem mais que uma, que duas, que três – as esferas se juntaram, os pedaços se encontraram, os caminhos se cruzaram.
            Luiza nos deixa. Mas deixa uma canção. 

(Ouça Luíza, Tom Jobim - claro, com o coração limpo de clichês)

 (Valentina)

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