domingo, 30 de março de 2014

Precisamos falar sobre nós



               Começar esse texto é uma tarefa complicadíssima. E talvez a melhor forma de tentar cumprir essa tarefa é reconhecendo tamanha complicação, como uma desculpa a ser usada quando qualquer comparação feita no decorrer das palavras pareça hipócrita ou contraditória... Bom, se bem que escrever é pisar em ovos, então, que seja.
               Creio que é chegada a hora de falar da fase mais difícil da minha vida – não só da minha vida, feliz ou infelizmente.
               Lembrei-me deste momento tão esperado após tomar um bom banho e colocar as ideias confusas de fim de semana no lugar. Acredito em purificações através do simples ato de se banhar, de lavar o corpo, de refrescar a mente e se esquecer dos problemas (ou ter mais clareza para solucioná-los) durante alguns minutos. Talvez tenha sido um bom banho que tenha me tirado dessa fase... Um só não. Acho que foram vários. É peso demais pra uma ducha só.
               Sempre que leio a palavra “adolescência” em jornais, revistas, livros ou em qualquer lugar, ou até mesmo quando ouço essa palavra sair da boca de alguém em alguma conversa formal ou informal, sinto um ar pejorativo. Como se ser adolescente fosse um crime, um desacato à vida, à moral e aos bons costumes. Adolescentes são chatos, porque parecem bichos escrotos que saíram dos esgotos, como diz a música dos Titãs. Adolescentes são rebeldes sem causa, são crianças que se acham adultos, são adultos que se acham crianças. Deviam dormir e acordar com vinte anos, quando as responsabilidades são irrecusáveis e os pais nada mais são do que aqueles simpáticos senhores que vez ou outra nos lembramos de telefonar e dizer que a vida vai bem, e que aquele almoço de domingo fica pra um domingo que ninguém sabe quando vai ser, mas que chama educadamente de “próximo”. Adolescentes são impulsivos, corrosivos, repetitivos e insuportáveis. Deviam ser proibidos. Deviam ser vendidos ou trocados por bebês bonitinhos que dão menos trabalho. “Ah, você me desculpe, mas meu filho está naquela fase complicada, você entende?”. Não, ninguém entende.
               Nem mesmo os próprios adolescentes.
               Minha mãe sempre se orgulhou do fato de eu não ser sido uma “aborrecente” (eu sempre vou ter um preconceito terrível com esse neologismo de quinta). Nunca saí, fugi de casa, respondi, bebi, fiz malcriação, dei motivo pra preocupação. Às vezes chorava sem motivo, ou queria chorar por algum motivo, mas não tinha lágrima: então chorava por dentro, se é que isso é possível. Não aborreci ninguém. Talvez porque o peso de dar problemas me incomode. Talvez porque eu nunca tenha achado graça em agir como o demônio que todos pintam. Ou simplesmente porque a disciplina de casa funcionou até demais – não sou psicóloga, please.
               Não é porque não fiz que não compreendo quem tenha feito. Sim, compreendo até demais. Se você não faz nada, é bobo (acho que sou até hoje, e não me orgulho, se você quer saber). Se você faz, é o capeta. Se você só quer dormir e que o mundo se exploda... Ah, você é um caso perdido antes mesmo de ser considerado um caso.
               Compreendo quem fez o que eu não fiz. Compreendo porque somos iguais nas nossas dúvidas e confusões e, acredite, isso é bem mais importante do que ter gostos ou atitudes semelhantes. Compreendo porque os mais velhos sabem como é difícil passar por essa fase, mas ao invés de procurarem ajuda ou simplesmente tentarem compreender (claro, sem deixar de orientar e fazer o certo, seja o “certo” o que for), as pessoas têm tanta raiva que preferem julgar – raiva ou medo de terem que passar por isso de novo. A TV mostra apenas o 8 e o 80: anjos e demônios. Pais desesperados que não sabem lidar com algo que se repete. “No meu tempo era diferente”. Ainda tem isso, o maldito problema da geração.
               Não sei e talvez eu nunca saiba passar por isso. Hoje, com quase 19 anos, não sou mais adolescente (e ainda abomino a tal da aborrecência). Tive que superar as lágrimas lá de trás, o que não quer dizer que a vida adulta não tenha as suas. Ainda vejo gerações serem questionadas ao invés de superadas. Ainda sinto que minha mãe se orgulha do tempo em que fui “boazinha”, e agora ela vê a necessidade de entender que ser humana é muito mais importante do que ser algo parecido com um anjo que caiu do céu. É hipocrisia minha dizer que tive uma adolescência feliz, e seria outra hipocrisia dizer que a tal fase seria feliz se eu fizesse o que não fiz. Descobrir o mundo sempre será a mais excitante das experiências, e começo essa etapa agora, quando sei que muitos já começaram antes de mim. Mas isso não é uma corrida, muito menos um jogo. É uma questão de sobrevivência. E isso não é exagero de gente jovem – ou velha.
               Não sou perfeita. Me escondi demais porque sim, eu tive medo do que iam pensar de mim. Ligar aquele velho botão é difícil, é como se tivéssemos medo de levar choque. Mas hoje, mesmo sem apertar o botão, é como se eu estivesse descalça e houvesse eletricidade nas paredes em que me encosto para me sustentar. Talvez eu nunca aprenda tudo que deve ser aprendido, mas isso é só um ponto de vista: aprendemos aquilo que nos cabe, que nos é imposto pela vida. De vez em quando, me escondo, porque parece que esse medo de ser quem eu sou não vai embora nunca – tô começando a achar que nunca saberei quem sou, nem mesmo quando chegar aos trinta e imaginar minha vida como num comercial de absorventes.
               Mas quem se importa? Pelo mesmo eu sobrevivi. E todos nós sobrevivemos. Mesmo que danificados, desiludidos ou cheios de esperança. O adulto que somos é o protótipo criado pelo adolescente que fomos. E a vida fica mais fácil (ou menos difícil) quando descobrimos que seremos jovens pra sempre, mesmo quando as gerações brigarem ou quando nossos filhos chegarem. E aí, quando eles passarem pelo que nós passamos, cabe a nós agir como velhos que julgam ou como jovens dispostos a descobrir o mundo; o livre arbítrio. Porque é isso que vamos fazer pra sempre: descobrir o mundo.
               Bom, acho que preciso tomar outro banho. 

(Ouçam The boy's gone, Jason Mraz)


(Tumblr)
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário