Olha
só pra ela. Entra muda, sai calada. Não dá um pio, só sorrisos pobres que
ninguém pediu, que ninguém provocou, que ninguém entende. Olha só pra ela, tão
sem conteúdo... Enquanto há tanto a se dizer, não sai do modo mute de ser.
Porque o ideal é ser...
Intelectual.
Falar sobre política. Esses mensaleiros que estão soltos. A crise na Ucrânia.
Os protestos no nosso país. Os cinquenta anos do golpe militar. A maldita copa
do mundo, tão imaginada e que já nasceu carregada de pragas. A greve dos garis
cariocas em pleno carnaval, que podia ter gerado um bloco de rua citando aquela
música, “diga aonde você vai que eu vou varrendo”, ou um bloco especialmente
para os senhores engravatados que se recusam a dar o que os de laranja pedem –
não, pra esses é melhor uma escola de samba; afinal de contas, o crime
compensa, certo?
Poderia
falar sobre a dificuldade em ser mulher. O preconceito que ela sofre ao
arranjar um emprego – será que ela tem emprego? Será que tem carteira assinada?
Será que já pegou no pesado? Será que sabe o que é trabalho? Não, não deve
saber. É muito bonequinha, muito caladinha, mal deve saber servir um cafezinho.
Tem cara de quem acredita que nasceu pra ser servida. Tem cara de quem nunca
vai ser servida; a queda.
Ah,
que fale sobre o clima. Agora chove, mas amanhã há de esquentar e derreter essa
neblina. Amanhã fará sol porque hoje fez lua, mesmo que isso seja uma grande
besteira; por que não abrir a boca? Por que não enrolar com língua com idiomas
complicados, ou dizer palavras que ninguém usa, ou até mesmo contar umas boas
mentiras? Por que não se entregar ao clima de descontração de uma mesa de bar,
de uma conversa entre amigos, por que não se enturmar? Por que se calar quando
a língua anseia por ar?
Será
que a língua dela anseia por ar? Ou será que só quer outra língua, apenas?
Ou
será que, nesse silêncio devastador, a menina dança por trás de milhares de
pensamentos que rodopiam num balé barato movido pela indecisão? Será que ela
sabe escolher as palavras? Ou será que as palavras não a escolherem? Será que
ela aceita esse mundo que parece não se importar? Será que seu sonho é um dia
poder gritar? Será que há dezenas de centenas de milhares de coisas que ela
quer dizer, mas não consegue porque tem medo de se atrapalhar? Ou será que,
dentro do seu mundo particular, há outro mundo de palavras tão estranhas que
nós, meros mortais, não conhecemos?
- Não é nada disso. É dor de
garganta mesmo.
Uma
chuva de romã, por favor.
(in sun-drenched climates)
(Que tal ouvir Don't speak, No Doubt?
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