segunda-feira, 10 de março de 2014

Mute



               Olha só pra ela. Entra muda, sai calada. Não dá um pio, só sorrisos pobres que ninguém pediu, que ninguém provocou, que ninguém entende. Olha só pra ela, tão sem conteúdo... Enquanto há tanto a se dizer, não sai do modo mute de ser. Porque o ideal é ser...
               Intelectual. Falar sobre política. Esses mensaleiros que estão soltos. A crise na Ucrânia. Os protestos no nosso país. Os cinquenta anos do golpe militar. A maldita copa do mundo, tão imaginada e que já nasceu carregada de pragas. A greve dos garis cariocas em pleno carnaval, que podia ter gerado um bloco de rua citando aquela música, “diga aonde você vai que eu vou varrendo”, ou um bloco especialmente para os senhores engravatados que se recusam a dar o que os de laranja pedem – não, pra esses é melhor uma escola de samba; afinal de contas, o crime compensa, certo?
               Poderia falar sobre a dificuldade em ser mulher. O preconceito que ela sofre ao arranjar um emprego – será que ela tem emprego? Será que tem carteira assinada? Será que já pegou no pesado? Será que sabe o que é trabalho? Não, não deve saber. É muito bonequinha, muito caladinha, mal deve saber servir um cafezinho. Tem cara de quem acredita que nasceu pra ser servida. Tem cara de quem nunca vai ser servida; a queda.
               Ah, que fale sobre o clima. Agora chove, mas amanhã há de esquentar e derreter essa neblina. Amanhã fará sol porque hoje fez lua, mesmo que isso seja uma grande besteira; por que não abrir a boca? Por que não enrolar com língua com idiomas complicados, ou dizer palavras que ninguém usa, ou até mesmo contar umas boas mentiras? Por que não se entregar ao clima de descontração de uma mesa de bar, de uma conversa entre amigos, por que não se enturmar? Por que se calar quando a língua anseia por ar?
               Será que a língua dela anseia por ar? Ou será que só quer outra língua, apenas?
               Ou será que, nesse silêncio devastador, a menina dança por trás de milhares de pensamentos que rodopiam num balé barato movido pela indecisão? Será que ela sabe escolher as palavras? Ou será que as palavras não a escolherem? Será que ela aceita esse mundo que parece não se importar? Será que seu sonho é um dia poder gritar? Será que há dezenas de centenas de milhares de coisas que ela quer dizer, mas não consegue porque tem medo de se atrapalhar? Ou será que, dentro do seu mundo particular, há outro mundo de palavras tão estranhas que nós, meros mortais, não conhecemos?
- Não é nada disso. É dor de garganta mesmo.
               Uma chuva de romã, por favor. 


 (in sun-drenched climates)





















(Que tal ouvir Don't speak, No Doubt?

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