Começar
esse texto é uma tarefa complicadíssima. E talvez a melhor forma de tentar
cumprir essa tarefa é reconhecendo tamanha complicação, como uma desculpa a ser
usada quando qualquer comparação feita no decorrer das palavras pareça
hipócrita ou contraditória... Bom, se bem que escrever é pisar em ovos, então,
que seja.
Creio
que é chegada a hora de falar da fase mais difícil da minha vida – não só da
minha vida, feliz ou infelizmente.
Lembrei-me
deste momento tão esperado após tomar um bom banho e colocar as ideias confusas
de fim de semana no lugar. Acredito em purificações através do simples ato de
se banhar, de lavar o corpo, de refrescar a mente e se esquecer dos problemas
(ou ter mais clareza para solucioná-los) durante alguns minutos. Talvez tenha
sido um bom banho que tenha me tirado dessa fase... Um só não. Acho que foram
vários. É peso demais pra uma ducha só.
Sempre
que leio a palavra “adolescência” em jornais, revistas, livros ou em qualquer
lugar, ou até mesmo quando ouço essa palavra sair da boca de alguém em alguma
conversa formal ou informal, sinto um ar pejorativo. Como se ser adolescente
fosse um crime, um desacato à vida, à moral e aos bons costumes. Adolescentes
são chatos, porque parecem bichos escrotos que saíram dos esgotos, como diz a
música dos Titãs. Adolescentes são rebeldes sem causa, são crianças que se
acham adultos, são adultos que se acham crianças. Deviam dormir e acordar com
vinte anos, quando as responsabilidades são irrecusáveis e os pais nada mais
são do que aqueles simpáticos senhores que vez ou outra nos lembramos de
telefonar e dizer que a vida vai bem, e que aquele almoço de domingo fica pra
um domingo que ninguém sabe quando vai ser, mas que chama educadamente de “próximo”.
Adolescentes são impulsivos, corrosivos, repetitivos e insuportáveis. Deviam
ser proibidos. Deviam ser vendidos ou trocados por bebês bonitinhos que dão
menos trabalho. “Ah, você me desculpe, mas meu filho está naquela fase
complicada, você entende?”. Não, ninguém entende.
Nem
mesmo os próprios adolescentes.
Minha
mãe sempre se orgulhou do fato de eu não ser sido uma “aborrecente” (eu sempre
vou ter um preconceito terrível com esse neologismo de quinta). Nunca saí, fugi
de casa, respondi, bebi, fiz malcriação, dei motivo pra preocupação. Às vezes
chorava sem motivo, ou queria chorar por algum motivo, mas não tinha lágrima:
então chorava por dentro, se é que isso é possível. Não aborreci ninguém.
Talvez porque o peso de dar problemas me incomode. Talvez porque eu nunca tenha
achado graça em agir como o demônio que todos pintam. Ou simplesmente porque a
disciplina de casa funcionou até demais – não sou psicóloga, please.
Não
é porque não fiz que não compreendo quem tenha feito. Sim, compreendo até
demais. Se você não faz nada, é bobo (acho que sou até hoje, e não me orgulho,
se você quer saber). Se você faz, é o capeta. Se você só quer dormir e que o
mundo se exploda... Ah, você é um caso perdido antes mesmo de ser considerado
um caso.
Compreendo
quem fez o que eu não fiz. Compreendo porque somos iguais nas nossas dúvidas e
confusões e, acredite, isso é bem mais importante do que ter gostos ou atitudes
semelhantes. Compreendo porque os mais velhos sabem como é difícil passar por
essa fase, mas ao invés de procurarem ajuda ou simplesmente tentarem
compreender (claro, sem deixar de orientar e fazer o certo, seja o “certo” o
que for), as pessoas têm tanta raiva que preferem julgar – raiva ou medo de
terem que passar por isso de novo. A TV mostra apenas o 8 e o 80: anjos e
demônios. Pais desesperados que não sabem lidar com algo que se repete. “No meu
tempo era diferente”. Ainda tem isso, o maldito problema da geração.
Não
sei e talvez eu nunca saiba passar por isso. Hoje, com quase 19 anos, não sou
mais adolescente (e ainda abomino a tal da aborrecência). Tive que superar as
lágrimas lá de trás, o que não quer dizer que a vida adulta não tenha as suas.
Ainda vejo gerações serem questionadas ao invés de superadas. Ainda sinto que
minha mãe se orgulha do tempo em que fui “boazinha”, e agora ela vê a
necessidade de entender que ser humana é muito mais importante do que ser algo
parecido com um anjo que caiu do céu. É hipocrisia minha dizer que tive uma
adolescência feliz, e seria outra hipocrisia dizer que a tal fase seria feliz
se eu fizesse o que não fiz. Descobrir o mundo sempre será a mais excitante das
experiências, e começo essa etapa agora, quando sei que muitos já começaram
antes de mim. Mas isso não é uma corrida, muito menos um jogo. É uma questão de
sobrevivência. E isso não é exagero de gente jovem – ou velha.
Não
sou perfeita. Me escondi demais porque sim, eu tive medo do que iam pensar de
mim. Ligar aquele velho botão é difícil, é como se tivéssemos medo de levar
choque. Mas hoje, mesmo sem apertar o botão, é como se eu estivesse descalça e
houvesse eletricidade nas paredes em que me encosto para me sustentar. Talvez
eu nunca aprenda tudo que deve ser aprendido, mas isso é só um ponto de vista:
aprendemos aquilo que nos cabe, que nos é imposto pela vida. De vez em quando,
me escondo, porque parece que esse medo de ser quem eu sou não vai embora nunca
– tô começando a achar que nunca saberei quem sou, nem mesmo quando chegar aos
trinta e imaginar minha vida como num comercial de absorventes.
Mas
quem se importa? Pelo mesmo eu sobrevivi. E todos nós sobrevivemos. Mesmo que
danificados, desiludidos ou cheios de esperança. O adulto que somos é o protótipo
criado pelo adolescente que fomos. E a vida fica mais fácil (ou menos difícil)
quando descobrimos que seremos jovens pra sempre, mesmo quando as gerações
brigarem ou quando nossos filhos chegarem. E aí, quando eles passarem pelo que
nós passamos, cabe a nós agir como velhos que julgam ou como jovens dispostos a
descobrir o mundo; o livre arbítrio. Porque é isso que vamos fazer pra sempre:
descobrir o mundo.
Bom, acho
que preciso tomar outro banho.
(Ouçam The boy's gone, Jason Mraz)
(Tumblr)