quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Pedidos



Quero morrer de amor nessa cidade
Quero fugir da dor em qualquer idade
Quero usar e abusar da vaidade
Quero me perder para achar felicidade
Quero fazer rima de verdade
Quero o que nunca quis, como sentir saudade
Quero humilhar os exemplos de humildade
Quero me iludir nesse mundo sem coragem
Quero chorar fontes de chocolate
Quero esquecer as horas, os dias, as miragens
Quero me esconder por entre as cortinas da sacanagem
Quero me jogar nas angústias da libertinagem
Quero emagrecer, só para não perder a viagem
Quero um punhado de elogios, aproveitando as milhagens
E acima do tudo:
               Quero perder a rima
                              Quero gozar a vida
                                            Que se dane a sintonia
                                                           Amanhã é um novo dia
E ao que parece, nunca vou mudar.

Mas acho que posso viver assim,
Posso me acostumar. 

(Ouça Invisível, Jorge Vercillo)

 

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Ensaiando opiniões: "Garota exemplar" (livro/filme)



               Faz um bom tempo que li “Garota exemplar”. Eu, meio avessa aos best-sellers estrangeiros, resolvi dar uma chance à capa simples e misteriosa que achei nas internets da vida. Não sei se é a narrativa americana ou a tradução para o português que parece padronizar todas as histórias não escritas no Brasil – talvez essa seja uma impressão unicamente minha. Mas, surpreendentemente, me encantei pela história, pela forma como era dividida, pela linguagem simples e irônica. Às vezes, parecia um episódio do “Casos de família”. Uma história tão humana com um final tão caótico que me encantou. Ou você ama, ou odeia.
               A garota exemplar nunca existiu de verdade. Inventada pelos pais, é robotizada, sorri para as câmeras, linda, doce, boa de cama, aquela que nenhuma outra é capaz de ser. Mas seu lado humano mata, mente, trai, golpeia, destrói. É nesses surtos de loucura que Amy se descobre e deixa de ser exemplar, e se torna apenas Amy, a “vaca” odiada por um marido infiel, apático e completamente sem expectativas para o futuro.
               O filme, pra mim, é uma obra prima. Grandes interpretações, e o melhor de tudo: segue fielmente o livro. Ou seja, a obra não escapa nem um pouco da imaginação do leitor. David Fincher tem no currículo filmes como “Seven” (Deus, como eu amo esse filme) e “Clube da luta”. A sensação que dá é que Gillian Flynn escreveu “Garota exemplar” excepcionalmente para que Fincher tivesse a ousadia de criar um filme tão perfeito e arrebatador. A interpretação de Ben Affleck – criticada com certa razão, pois creio que ele seja melhor diretor do que ator, mas tudo bem – é importante para sustentar a loucura da personagem principal, interpretada majestosamente pela atriz Rosamund Pike (que, na minha opinião, é bem parecida com a já clássica Emily Thorne de “Revenge”, e acredito que eu não seja a única a pensar desta forma). A cena da morte do personagem interpretado pelo incrível Neil Patrick Harris é, no mínimo, perfeita. Aliás, tudo nesse filme é perfeito. Até mesmo a duração – não curto filmes muito longos, confesso – é perdoável.
               Gillian, parabéns. Você criou uma obra prima. Nunca um livro mereceu tanto o título de “Best seller”. Nunca um filme caiu tanto nas minhas graças. Minhas reverências. 

sábado, 20 de dezembro de 2014

Ensiando opiniões: "O jogo do anjo", Carlos Ruiz Zafón



               Preciso confessar: não dava muita coisa por “O jogo do anjo”. Acho que não fui muito com a capa... Mas li porque o PDF me caiu de paraquedas, e eu, aventureira que sou, fui ver o que me aguardava. Acho que comecei a pesquisar sobre o autor antes da página 10 – não me aprofundei muito, foi só pra saber se ainda estava vivo, coisa de leitora. E então um romance obscuro, com toques góticos, profanos e arrebatadores, me foi surgindo. Um tipo de literatura a qual não estou acostumada, confesso novamente. Gosto das memórias do Sabino, das lamúrias do Buarque, das críticas do Saramago... Mas aí me surge um espanhol que pinta uma Barcelona cheia de mistérios com personagens que eu ainda não sei adjetivar. E eu acabo me apaixonando.
               Pra mim, a estrela da história não é o suspense que prende o leitor – as sequências de ação são muito bem narradas. Nem mesmo a história de amor entre Martín e Cristina – essa, aliás, é uma dessas personagens que a gente não gosta, mas atura porque a história é boa, fazer o que. O que mais me prendeu foi a dose caprichada de metalinguagem que Carlos Ruiz Zafón jogou na receita. É perigoso escrever histórias que contam com escritores como protagonistas, mas essa foi tão sutilmente costurada que chega a ser brilhante.
               Já me disseram que esse livro faz parte de uma trilogia do Zafón. Quem me conhece sabe que não sou lá fã de trilogias – essa coisa de ter que ler a outra parte me dá um pouquinho de preguiça. E não sei se precisarei de sequências para entender o que “O jogo do anjo” me ensinou: o livro tem alma. As palavras têm alma. Não podemos brincar com elas. Não podemos brincar com a nossa história, seja ela escrita ou não.
               Digo também que me identifiquei muito com a escrita do espanhol. Às vezes exagerada, às vezes padronizada, às vezes humorística... Mas invejo (com todo respeito e tom de “brincadeirinha” que me são permitidos) o talento para a ficção que o autor possui.
               Sim, pretendo ler seus outros livros. Não para seguir sequências. Mas para dar ênfase ao que o protagonista David Martín (ou o senhor Sempere, agora não me lembro) me disse em alguma das quatrocentas e quarenta e nove páginas do livro: enquanto houver que leia, haverá história, haverá autor, haverá o que ser dito. E não é só o autor que tem um compromisso de sangue com as letras. O mesmo se dá com nós, leitores. 

(Ouça Details in the fabric, Jason Mraz)

Decifrando-te



Se eu contasse nos dedos
teus sorrisos perfeitos
não haveria dedos
a serem contados

Pois teus sorrisos são tortos
desenhados, tremidos
mas tão reais e destemidos
que me fazem amar teus lábios

A teimosia dos nervos
A combinação dos dentes
Não sei se já lhe foi dito
mas ah! – Como teu sorriso é indecente!

Desconheço mundos diferentes
assim como regras, convenções, patentes
Desde que abristes a boca
ah, tu me hipnotizaste;
é como se tirasses a roupa!

Se puder, faça-me um favor:
assassine meus dilemas
Encerre este poema
colando teu sorriso no meu

Me ensina a sorrir também. 

*Este poema foi um dos finalistas do primeiro concurso de poesias da Casa de España, clube importante aqui no Rio de Janeiro. A maior vitória foi subir no palco e conseguir declamá-lo pra uma plateia maravilhosa. Compartilho meu "troféu" com vocês no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=lKSgnCKjY68



(Henri Matisse)

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Esquecimentos



               O pai foi deixar a filha na creche, mas como estava fechada, foi embora levando a menina. Distraído, ao invés de deixar a neném em casa com a mãe ou qualquer adulto de confiança, passou direto e foi trabalhar. Com a criança no carro. Sem se lembrar de sua presença.
               Esse tipo de tragédia tem acontecido tão frequentemente que cada caso parece velho – “ah, mas isso que você está dizendo aconteceu há dois meses, foi com aquele pai de São Paulo, ou do Rio, ou de Minas, já não sei...”. A verdade é que vivemos no automático. Passamos direto. E não é por maldade, crueldade, alienação. Talvez possamos colocar uma dose básica de estafa nesse caldeirão, só pra dar um gosto. É tudo distração. Esquecimento. Olhos fechados. Perda de sentidos. Rotina.
               O caso do pai que esquece a filha no carro e acaba vítima da própria tragédia que cria sem querer não é a única perspectiva que temos da maldição da distração – este talvez seja o caso mais absurdo, mas não desconsideremos os outros. Há quem se esqueça de regar de plantas. De alimentar o bicho de estimação. De telefonar para aquela pessoa querida e frisar tal adjetivo. De pausar a mente por alguns instantes para rever conceitos, pré-conceitos, a fim de descobrir o que é real e o que é ilusão. De tomar decisões coerentes (mesmo que acarretem em certas perdas). De pensar no presente, lembrando que o passado é só um ângulo reto que se entortou com o tempo, e o futuro é a vida que nem é vida ainda – portanto, é como se qualquer plano pudesse ser abortado a qualquer instante, porque afinal de contas ainda é plano, não foi formado direito, mal é um feto (macacos e igrejas me mordam).
               Nosso maior defeito é acreditar que tudo na vida é uma questão de praticidade. Mas é que nos esquecemos de que, ao sermos práticos, acabamos mostrando o que somos de verdade: um bando de desesperados. Tomamos comprimidos para afugentarmos nossos problemas. Afogamos mágoas em copos de álcool, como se mágoas fossem bactérias. Baseamos a paz naquela velha (e tosca) frase: “quando um não quer, dois não brigam”. Dispensamos clichês porque ora, são clichês! Mas mesmo assim repassamos frases heroicas, sorrimos para câmeras indiscretas, julgamos do outro lado da janela. Somos paranoicos. Não nos permitimos amar, confiar, agir. Só reagir. Seguir a linha. Fazer o que mandam. Nem que pra isso tenhamos que nos desligarmos de nós mesmos. Nem que pra isso tenhamos que ligar o piloto automático (que por acaso é um botão muito diferente do “foda-se”, que requer força humana para ser acionado). E é aí que nos distraímos, programados, pragmáticos, vítimas de nós mesmos. A tragédia da vida real é a própria vida para quem não se estoura, não se desloca, não se multiplica. O céu é o limite para quem só procura estrelas.
              Por isso, despertemos. Despertemos desse sono profundo da rotina e dos mesmos problemas, das mesmas notícias, dos mesmos caminhos. Quebremos o gelo. Errar, de vez em quando, porque é errando que se aprende: como já foi dito antes, nunca, em hipótese alguma dispense um bom clichê. Que não nos esqueçamos de pegar aquele outro caminho, de fazer aquele favor para o vizinho, de ligar para o amigo, de se preocupar com o comportamento do filho, de mostrar ao companheiro ou à companheira que o amor existe e sempre será quente (nunca requentado), que nunca nos esqueçamos de seguir o fluxo da vida por nós mesmo. E quando os olhos pregarem, quando a vista embaçar, quando aquele fio de cabelo comprido no paletó parecer mais interessante do que o que realmente interessa, que estalemos como nossos ossos.
               A vida não é só tragédia para os que ficam. Mas sim, a vida é pura tragédia para aqueles que simplesmente se esquecem.
               De viver. 

(Ouça Dreams, Fleetwood Mac)

(Yu Yamauchi)