domingo, 5 de junho de 2016

Cinco horas

Jogo a pintura no rosto. Seja o que deus quiser.
Aqui o dia já chegou na metade. Aí, mal começou.
Já tem gente nos parques, nos gramados, nas mesas de bar, colados em suas  taças de vinho. Já tem música correndo nos meus ouvidos: uma canção azul, com trechos em francês pedindo desculpas por não compreender francês – ironia do dia.
Se o sol começou a brilhar por aí nesse instante, aqui já viramos purpurina.
Estranho olhar o relógio e pensar no tempo como vilão. Os ponteiros são espadas. Os números, maratonistas.
Estranho pensar que o passado, o presente e o futuro podem se juntar em uma só mensagem, em palavras soltas digitadas velozmente ou ditas no calor do sono ou no estalo da fome que precede o almoço. Estranho ontem, hoje e daqui a pouco – talvez amanhã. Estranhamos.
As pedras também.
Elas me olham fixamente. Eu aqui, nesse banco de praça, esperando o domingo passar. Elas no foco da minha câmera, na perditude dos meus olhos. Elas dizem que sobreviveram. Que sobrevivem, e que de vez em quando vivem, quando religiosamente fotografadas ou quando o sol resolve acariciá-las de leve (antes do verão, acredito). Estão aí há séculos, e já viram coisas que os nossos olhos nem imaginam. No centro da imagem, elas já estão acostumadas com os passos apressados dos turistas que apenas registram sem ao menos tocarem ou sentirem tudo isso.
Tocar. Sentir.
Ouvir somente a respiração alheia. Roubei essas palavras das pedras que me olham.
Cinco horas.
Um avião. Dois, talvez.
Um oceano.
Algumas canções.
Muitas cenas de filme.
Planos. Poucos, porém bons.
Tetos.
Madrugadas.
De repente, a distância é ínfima. Quebra-se ao meio ao som do bom dia. Vira pó nas nossas mãos imaginárias que se apertam, que se cruzam, que se entrelaçam.
De repente, descobrimos que somos tudo, menos inteiros.
Somos fragmentos de nós mesmos.
Somos mais que horas. Que todas as cinco.

(Ouça Belle, Jack Johnson)

(Nathalie Gonçalves)


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