sábado, 11 de junho de 2016

Insuficiência

Tá tudo espalhado em cima da cama. Tá tudo explodindo dentro do armário, quase arrebentando a porta e invadindo os poucos caminhos possíveis nesse quarto. Tá tudo saindo pelos poros, como gotas de oleosidade, como cravos nojentos porém suculentos aos dedos ávidos em forma de pinça, borrando a maquiagem, craquelando o sorriso, dramatizando o olhar.
Tá tudo gritando dentro de nós. Porque esse ser que nos habita o corpo é mal educado, não sabe falar baixo, não sabe ser discreto. Precisa transbordar em versos aleatórios e berros desnecessários, criando uma falsa euforia que contagia as entranhas e outros elementos anatómicos sujeitos a exageros literários. Transbordamos. Não cabemos em nós, e por isso buscamos espaços alheios, mesmo que sejam mínimos, quadrados, sem ar circulando. E então descobrimos que não somos o suficiente. Ninguém é suficiente. Isso não existe. É apenas um número; às vezes um graveto, às vezes um pato, duas bolas pela metade, um palito sustentando um quarto ou um círculo que representa o nada, o que talvez seja a ideia mais assertiva por trás desse bando de tiros no escuro que os livros ensinam...
Chega.
As palavras somem quando mais precisamos delas – quando a bagunça está aí, gritando, invadindo o pouco espaço que temos. Não cabemos em nós. Não cabemos nos outros. Porque não somos simples como caixas. Carregamos bem mais do que elas. Somos só esse monte de vontade, de história, de medo. Somos o medo que sentimos do que ainda não chegou, mas que sabemos que seja o que for, tem poder suficiente para nos quebrar as pernas – ou melhor, para nos roubar as palavras. E quando vem a onda, quando vem o choque, o “de repente” que faz os filmes serem filmes, não somos os mesmos. Aumentamos, dilatamos, explodimos.
Transbordamos.
E o que nos resta é aquilo que dispensa aleatoriedades, fatos, desculpas, resoluções. O que nos resta é o momento. O presente. Rasgamos a embalagem ou guardamos o embrulho para alguma ocasião futura? Não sabemos. Só queremos fazer um momento que se queira congelar, que supere as dimensões das nossas caixas. Um momento que nos revele aquela verdade irrefutável: o tamanho não existe.
Enquanto isso, a bagunça aumenta. Já não cabe mais. Imensurável.

(Ouça Como dois e dois, Gal Costa)

(Federica Cipriani)



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