Eu vejo um M riscado na palma da mão. Um M de qualquer
coisa: de mãe, de medo, de merda. E conforme eu toco cada linha que forma essa
coisa estranha abaixo dos anéis que parecem segurar meus dedos, eu sinto algo
diferente - uma nova visão do meu próprio tato, se isso não for muita audácia
em forma de sinestesia (ou personificação). É tão estranho... Não é como quando
eu insiro meu indicador no botão central do telefone pra desbloquear a tela.
Nem mesmo quando bato a porta, a panela, a tecla do computador... Quando eu
toco a caneta e me esqueço por um segundo da força necessária para produzir uma
letra legível. Ou quando eu toco o vidro da taça de vinho, do porta-retrato
empoeirado no canto da estante, quando eu viro as páginas do livro, quando eu
passo a mão nos cabelos para tirá-los da frente dos olhos... Não, é um toque
diferente, mais do que uma cócega, do que um sopro, do que um gesto. É como se,
durante aquele mísero instante, eu conseguisse sentir tudo o que me faz, e a
verdade é que nada disso foi feito pra ser sentido assim, no toque dos dedos,
numa espécie de desenho imaginário, nesse caminho de contornos... Eu, que até
pouco tempo era de tijolo e cimento, me flagro feito de sombras, de sons, de
luzes, flashes, tropeços no salão. E todo o meu corpo, tão concreto e
destemido, não passa de uma folha de papel que volta e meia eu rabisco, dobro,
amasso, faço bolinha e jogo no ar. De repente, não passo de uma gotícula de um
líquido invisível, e de repente eu sou invisível, e tudo que me sustenta é o M
que carimba as minhas mãos. Como se essas palmas reunidas formasse o meu céu
sem lua em pleno verão. Como se a leveza do ser se tornasse sustentável por apenas
um pentelhésimo de segundo, e o som mais alto do mundo fosse o silêncio –
aquele que ecoa nas conversas perdidas, na ausência de palavras, no segundo que
antecede o gozo, que faz a última gota pensar no copo todo antes de se
espatifar no chão.
De repente, meus dedos se descobrem, e então se cruzam como
namorados. Brincam com seus ossos, se estalam e se instalam num abraço extremamente
dramático. O alfabeto das ideias loucas e dos contornos impensáveis se forma.
Todas as coisas ao redor viram peças perdidas que não fazem falta no jogo.
É tudo uma questão de toque. De tato. De entrega.
(Ouça Aim high - John Legend)
(Malika Favre)
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