sábado, 8 de agosto de 2015

Tato

Eu vejo um M riscado na palma da mão. Um M de qualquer coisa: de mãe, de medo, de merda. E conforme eu toco cada linha que forma essa coisa estranha abaixo dos anéis que parecem segurar meus dedos, eu sinto algo diferente - uma nova visão do meu próprio tato, se isso não for muita audácia em forma de sinestesia (ou personificação). É tão estranho... Não é como quando eu insiro meu indicador no botão central do telefone pra desbloquear a tela. Nem mesmo quando bato a porta, a panela, a tecla do computador... Quando eu toco a caneta e me esqueço por um segundo da força necessária para produzir uma letra legível. Ou quando eu toco o vidro da taça de vinho, do porta-retrato empoeirado no canto da estante, quando eu viro as páginas do livro, quando eu passo a mão nos cabelos para tirá-los da frente dos olhos... Não, é um toque diferente, mais do que uma cócega, do que um sopro, do que um gesto. É como se, durante aquele mísero instante, eu conseguisse sentir tudo o que me faz, e a verdade é que nada disso foi feito pra ser sentido assim, no toque dos dedos, numa espécie de desenho imaginário, nesse caminho de contornos... Eu, que até pouco tempo era de tijolo e cimento, me flagro feito de sombras, de sons, de luzes, flashes, tropeços no salão. E todo o meu corpo, tão concreto e destemido, não passa de uma folha de papel que volta e meia eu rabisco, dobro, amasso, faço bolinha e jogo no ar. De repente, não passo de uma gotícula de um líquido invisível, e de repente eu sou invisível, e tudo que me sustenta é o M que carimba as minhas mãos. Como se essas palmas reunidas formasse o meu céu sem lua em pleno verão. Como se a leveza do ser se tornasse sustentável por apenas um pentelhésimo de segundo, e o som mais alto do mundo fosse o silêncio – aquele que ecoa nas conversas perdidas, na ausência de palavras, no segundo que antecede o gozo, que faz a última gota pensar no copo todo antes de se espatifar no chão.
De repente, meus dedos se descobrem, e então se cruzam como namorados. Brincam com seus ossos, se estalam e se instalam num abraço extremamente dramático. O alfabeto das ideias loucas e dos contornos impensáveis se forma. Todas as coisas ao redor viram peças perdidas que não fazem falta no jogo.
É tudo uma questão de toque. De tato. De entrega. 

(Ouça Aim high - John Legend)

(Malika Favre)

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