domingo, 16 de agosto de 2015

Canhotos e destros

Mais um dia de, cof cof, protestos nas ruas do país. Não que isso tenha inspirado essa conversa – pelo contrário, ela já estava matutada na minha cabeça há um bom tempo. Eu resolvi dar uma esquecida na ideia simplesmente porque falar de política no Brasil é tomar partido, dar o sangue, plantar bananeira, enfim, agir como alguém que precisa dar uma passada bem demorada no divã mais próximo pra ver se resolve uns extremismos internos.
– ah, mas se você fala de divã, ou você fala pra galera de direita ou pra galera da tal esquerda caviar.
Bom, a minha coordenação motora é péssima – tão péssima que eu tenho que escrever no ar com a mão esquerda pra saber quando eu vou pra esquerda ou pra direita. Quando me perguntam de que lado político eu sou, eu costumo dizer que sou canhota. Uma brincadeirinha ridícula que já perdeu a graça há anos, por sinal – acho que já posso me candidatar para a vaga de tio do pavê.
Acontece que eu sempre, sempre gostei de política. E comecei a gostar mais ainda quando li “A revolução dos bichos”, George Orwell, umas das narrativas mais apaixonantes da prateleira do meu coração (aff). “Todos os bichos são iguais, mas alguns bichos são mais iguais que os outros”. Essa frase me pegou e me pega até hoje.
Fui procurar no amigo Google e descobri que a origem do termo “esquerda” e “direita” dentro da política vem lá da Revolução Francesa, debaixo dos caracóis dos seus cabelos e dos vestidos de Maria Antonieta. Se você é de esquerda, é porque você luta pelos trabalhadores, ou seja: você é pobre. Se você é de direita... Migo, tem como cê me emprestar uma grana? É basicamente isso.
O problema é que essa coisa de querer diferenciar a galerinha pobre e a galerinha rica é muito, muito patético. É como na Granja do Solar no livro de Orwell: os supostos mais inteligentes dominam os “coitadinhos”. Só que é um livro, minha gente. Ficção. E quando eu vejo que ainda existe gente (e muita) que insiste em criar dois países num só seguindo princípios furados e que não funcionam nem no papel, ah, dá um medinho, mesmo sabendo que é assim em boa parte do mundo. A partir do momento que a briga do azul contra o vermelho dita o suposto progresso (ou não) do país, amigos, é chegada a hora de dar as mãos e rezar. Mesmo que isso não aconteça só no Brasil.
Você vai dizer que sempre foi assim – sim, realmente. A história política do nosso país é, no mínimo, bem agitada. Tem sempre alguém gritando “briga, briga” como se estivesse num pátio de escola. Mas tudo se torna absurdamente incômodo quando a população devidamente separada e desarmônica resolve ir às ruas para lutar por coisas que não fazem o menor sentido – como o fim da democracia, por exemplo. Se você achar que estou sendo radical e me disser que vivemos uma ditadura velada, então somos nós mesmos que alimentamos essa ditadura parida pela mídia que a gente tanto idolatra. Eu me coloco no meio porque eu matei a dona Florinda que havia em mim e que mandava eu não me misturar com essa gentalha. No fim das contas, somos todos gentalha. Ou como dizem os milhões de representantes do Aliança Francesa que habitam este país: je suis gentalha. Acho que agora a estampa na camisa fica mais bonitinha.
Se nós nos desgrudássemos um pouco das bandeiras e dos alarmes escabrosos da tevê e da web, talvez as coisas ficassem mais claras. Conseguiríamos enxergar números reais, dados, os verdadeiros problemas que assolam o país, as crises e como superá-las sem ofensas ou dramas. Quando você percebe que todos fazemos parte do mesmo país – desde que seja uma percepção completamente desligada de classes, raças e outros pedras que nós mesmos inserimos no caminho – bom, crise nenhuma é capaz de nos derrubar. NOS. Percebam o pronome.
Seria muito hipócrita da minha parte dizer que as coisas estão boas. Mas também seria muita hipocrisia culpar uma única pessoa. No fim das contas, todos nós temos culpa. Todos. TODOS. Quem votou, quem não votou... Quem é pobre, rico, canhoto, destro... Somos culpados por fechar os olhos e abrirmos só quando nos convém. Por julgar, ofender, separar. E se eu disser que o país inteiro está por trás desse caos?
   Continuo canhota, sem partido e hasteando uma bandeira branca com os dizeres “pela saudade que me invade, eu peço paz”. Minha coordenação motora continua péssima. E sinceramente? No atual momento, eu gosto disso.
   Ah, pra quem se interessou pelo final do livro. Ele acaba assim: “As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já era impossível distinguir quem era homem, quem era porco.”
- Je suis farinha do mesmo saco.


(Ouça Vale tudo, Tim Maia)

(Dan Abramson)



Nenhum comentário:

Postar um comentário