Voltei
aos tempos de escola. Maquiei meu rosto como há muito não fazia, botei aquele
batom vermelho-sintonia, intoxiquei meus poros com o perfume mais caro que
encontrei no armário. Eu era nova de novo. A velha boa nova de sempre. Enfeitada
até o último fio de cabelo, fazia a recatada, mas olhava, ah, eu olhava aquele
velho novo rosto, mais um entre tantos, entre tão poucos, ele era tão novo
quanto eu na jogada. E ele me olhava também – assim, de fresta, como quem não quer
nada. E eu o comia com os olhos, ele era a entrada, o prato principal, a
sobremesa e o cafezinho que acompanha a digestão. Alguns percebiam esse tanto
de olhação – e até reprovavam, eu sentia. Mas que se dane. Temos só mais
algumas horas. Estamos numa fila de banco, esperando a consulta no médico,
esperando a aula terminar. Estamos aqui, e não mais estaremos – a não ser outro
dia, e desse outro dia eu quero distância, pelo menos agora. Basta relaxar o
corpo e deixar todos os códigos se confundirem até cada pedaço da sua alma
ficar indecifrável. Basta ser aquilo que já se é com uns toques adicionais
daquilo que nunca se seria em dias normais.
Vamos,
meu amigo, eu dizia em pensamento. Vamos lá, eu e você, mãos dadas contra o
vento, mais fortes que o tempo e que todas as rimas. Num primeiro momento, lutaremos
até o fim por essa conquista. Cada olhar será um passo dado em direção ao
incerto, ao desconhecido, ao paraíso. Sinto que vamos nos entregar de corpo e
alma; mas antes, faremos aquele velho e bom papel de recatados, sempre
desconfiados, nós e nossos corações partidos. Eu sei que você já teve o coração
partido, meu caro. E assim como eu, vive tentando juntar os caquinhos, mesmo
achando que perdeu aquele pedaço que faltava pra coisa ficar perfeita – ou quase.
Eu perdi cacos importantes do meu. Perdi a compostura, o senso de confiança, a
segurança. Perdi itens que me custam quase o coração inteiro. Mas eu sei, meu
caro, que juntos temos algo pra chamar de coração. O começo será difícil, será
que falo, será que rio, será que me escondo na primeira esquina, será que a
levo no beco e despejo todos os meus anseios, depois a beijo só pra fechar o
clima e a poesia, será? Mil perguntas, nenhuma resposta. Mas depois do primeiro
beijo – aquele que será vulgar e inconsequente, frio e quente, completamente
contraditório e visto como um erro, mas visto, e isso já é um acerto – seremos um
do outro até a próxima encarnação de perdas e ganhos. Mesclaremos nossos nomes,
faremos planos, construiremos pontos, cada primeiro passo será único nessa jornada
incrível e que nos levará aos lugares mais extremos de nós mesmos. Você me dirá
as coisas mais normais do mundo, mas eu ouvirei as mais lindas. Eu te dedicarei
as canções mais chinfrins do universo, e você se deixará morder pelo bicho da
vaidade. Faremos da cama um mar de promessas, de espetáculos, de escrituras a
serem registradas nessas nossas memórias mais do que eficientes.
Viveremos
uma felicidade hollywoodiana, meu caro... Até a primeira turbulência. Depois
disso, tudo será lágrima, grito, estresse, comprimido pra dor de cabeça e
aquela frase “chamada perdida” piscando no celular. Antes que tudo acabe, antes
que a dança canse, antes que os pés latejem, vamos viver. Como se não houvesse
esse pra sempre que sempre acaba. Como se não houvesse mais nada e mais
ninguém. O mundo é nosso até a última gota. Viva o presente. Depois disso, viva
as lembranças!
Ah,
sim, sou a próxima da fila. O médico me chamou. A aula acabou. Tudo volta ao
normal. Foi bom enquanto durou.
Poderia até pensar que foi tudo sonho
Ponho meu sapato novo e vou passear
Sozinho, como der, eu vou até a beira...
Sapato Novo, Los Hermanos (a música que inspirou esse post)
(Tumblr)
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