domingo, 22 de março de 2015

Intelectual - vol. 1



Eu como casquinha de ferida. Arroto quando ninguém vê, porque um ogro uma vez me disse que é melhor pra fora do que pra dentro – aliás, eu vejo desenho animado, ai, que vício delicioso. Meus olhos brilham no primeiro copo de bebida, mas me sinto alegre, de bem com a vida. Se não quiser arriscar, refrigerante é uma boa pedida. Não é bom ter miopia ou astigmatismo, mas o poder de um par de óculos num rosto é inegável – algo sedutor mesmo, um perigo. Sim, ouço música antiga, mas não me ponha um Beethoven não, ah, aí já é sacanagem. Gosto de ouvir aquilo que me faz bem, e pouco me importa se é a batida do momento, se é o momento da batida, se é aquilo que ninguém ouve nem vai ouvir. Eu gosto de ouvir o chiado do silêncio, por exemplo. Ele é bem simples e faz remexer tudo que há dentro de mim. Gosto também de descobrir coisas novas, principalmente sobre mim. Ontem descobri que gosto de torta de maçã. Também descobri que detesto goiabada. Ah, como eu amo essas coisas.
Não tem essa de livro do ano não. Quanto mais popular, menor a vontade de ler. Gosto mesmo é de ler coisa velha, dessas que foram lançadas há cinco, dez, cem anos. Gosto dessas croniquetas de jornal, de receita de bolo, de horóscopo – astrólogos são literatos altamente respeitáveis. Crítica eu leio pra rir, porque quanto mais gosto do filme, mais odiado pelos críticos ele é. Essa coisa de cinema... Eu gosto da sensação de estar numa sala escura e sombria que me levará a uma história sabe lá Deus que cor tem. Decorar nome de ator é comigo mesmo. E pra mim, todos atuam bem. Não existe ator ruim. O que existe é uma vida real chata e cheia de problemas que a gente quer descontar em qualquer coisa – inclusive num ator que, humanamente, interpretou um ser humano com toda a redundância que lhe foi permitida. A vida é como ela é, meus caros. De críticas, bom, já bastam esses jornais insuportavelmente repetitivos.
A vida é doce. Tão doce que enjoa. Mas tem que continuar vivendo, até dar formiga, dormência, diabetes. Isso mesmo, tragédia pura, até o último ato. E quem não arrisca, não petisca. E que não petisca, ah, não sabe o que tá perdendo. Um pastelzinho, um quibezinho, uma coxinha... Aliás, a coxinha é uma das melhores invenções da nossa culinária. O brigadeiro também – mas esse aí é a personificação comestível da vida.
   Coração quebrado. Despedaçado. Quem não tem? Não precisa ser artista pra ter. Basta ser um tiquinho assim de humano. Basta ceder um minutinho que seja, ah, aquele minutinho que não volta. Coração quebra sim. A alma da gente quebra, e juntar os caquinhos é coisa que nem super bonder é capaz de resolver. A alma da gente é feita de entrega, e quando a gente se entrega pro nada, pro que não vale a pena... É como dar de cara com a parede. É como ir na onda de uma crítica ruim para um filme bom. É como se tudo perdesse o sentido.
   Eu gosto de me perder nessas ideias que eu tenho de madrugada. Minha casa daqui a dez anos, filhos, cônjuge, coisa de sociedade monótona. Mas hoje eu penso em fazer diferente. Penso em não pensar em nada disso.
   Penso em me desligar do mundo, ouvir o último minuto da minha canção predileta, e dormir. 


(Ouça Quiet, John Mayer)

(Tumblr)

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