quarta-feira, 11 de março de 2015

Agora e sempre

               Ao acordar, sinto que a lua dorme em mim. É difícil acordar minhas juntas quando um ser tão colossal está dormindo aqui dentro. Já pensei em dar essa desculpa para o meu chefe ao chegar atrasada, mas creio que, por mais poética que seja, não há de fazer muito sucesso.
               Ao lavar o rosto, sinto as células velhas agonizando – bom, isso até elas se afogarem no mar de sabão que me remove as sujidades, os cremes, quase as vísceras. Dizem que a pele facial é a mais sensível de todo corpo... Amigo, a minha já virou uma dessas mocinhas de novela com os adjetivos “guerreira” e “heroína” no perfil, pode crer. Acne? Rugas? Danem-se todas essas invenções mirabolantes do espelho. São sete ou oito horas da manhã, minha alma ainda está na cama abraçada com a lua, aquela que foi dormir tarde, lembra?
               O banho. Cada partícula do meu corpo nasce de novo... Para morrer novamente daqui a uma boa quantidade de horas. Se durante todo o resto do dia eu afirmo para mim mesma que sou feita desses pedaços que vou juntando por aí, é exatamente nesse momento que me vejo inteira, tão inteira que me assusto, até me despedaço um pouquinho só para não sair correndo de medo. Afogo meus sentimentos, minhas dúvidas, meus anseios. Planos transbordam nessa mente ainda aérea por conta dos sonhos de outrora. Fecho os olhos, mas bem rápido; afinal de contas, o presente não nos permite gastar minutos e mais minutos debaixo do chuveiro fazendo a figura lindamente teatral que se vê nessas telas da vida. "Feche o registro, menina! Enxugue-se e vá viver". Nunca gostei tanto de uma frase de duplo, triplo, múltiplos sentidos, como essa.
               Escolher a roupa, pentear o cabelo, vestir-se. No rosto, uma velha maquiagem nova – ou seria uma nova maquiagem velha? Ainda não posso dizer que já não sei de mais nada, as coisas fingem se renovar durante a madrugada e acabam me bagunçando, me confundindo. Mulher é especialista em viver nesse eterno estado de confusão. É um dom que adquirimos durante a evolução das espécies, diria Darwin. Coitado do Darwin. Tão pragmático...
               Ah, sim, a maquiagem. Passar a base em movimentos circulares de baixo para cima. Iluminador, bronzeador, corretivo, sombra, rímel, delineador... Já não sei mais a ordem. O batom está torto; e olha que ainda não beijei ninguém (e pelo que os planos para hoje dizem, nem hei de beijar, a não ser que o príncipe encantado resolva tirar o dia para aparecer e bagunçar minhas ideias pensando que me surpreende). O cabelo não está perfeito, sempre haverá um fio rebelde, uma ponta mal humorada, uma cor meio desgastada, um branquinho querendo aparecer. Estranho como esse espelho não vai com a minha cara... Se é justamente ela que ele reflete.
               O tempo. Esquentar a marmita, arrumar a bolsa, perfumar-se, encher-se de acessórios, calçar-se, olhar-se no espelho mais uma vez. E voltar outra, e mais outra, e mais outra... Até o espelho cansar de mim e escurecer. Ah, só mais um que eu espero que se dane. A vida continua – ou melhor: a vida começa de novo. Tudo velho de novo. Tudo novo de novo. As horas, as tarefas, as pessoas, os problemas. Uma rotina tão cansativa e ao mesmo tempo tão louca que assusta, que encanta. Vejam só: a rotina é capaz de encantar.
               Mas afinal, o que seria dessa tal de rotina sem as suas confusões? O que seria de nós? Ah, chega de tantas perguntas. Já estou mais do que atrasada, com licença.  

(Ouça Morning Glory, Jamiroquai)


 (Tumblr)
 

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