quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Pálida

               De todas as frases que já ouvi nessa vida – e olha que até aqui foram muitas – algumas se destacam mesmo antes de eu me lembrar das vozes que as disseram. Ninguém esquece uma despedida, um “eu te amo”, um “vou ali comprar cigarro e já volto”. Mas houve uma frase que me socou o estômago de tal forma que eu não sei explicar. Simplesmente dói, entende?
               “Mataram meu filho”. Uma voz pálida me disse isso – e é possível uma voz se empalidecer? Bom, eu não sabia, mas é sim. Talvez porque a palidez seja isso, um misto de sentimentos que percorrem um fluxo tão louco que o rosto acaba branco, estático, aparentemente vazio, em estado de choque. Isso também acontece com a voz. Há tanta coisa para ser dita que não cabe; é preciso dizer de uma vez só, estaticamente, sem esboçar nada além de tudo que já está incluso no pacote. Essa com certeza foi a frase mais estranha da vida. A frase que me fez me deparar com a vida e a morte ao mesmo tempo. E sabe o que eu senti? Não sei. Foi tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que creio que empalideci.
               Sei que um pedaço de mim morreu também. Não, eu não conhecia direito o filho dessa conhecida que soltou a tal frase, mas acho que conheci o pior de tudo isso: a dor. A perda tecnicamente fácil, indiscutivelmente difícil. O amor incondicional que nos tira a liberdade, a consciência, o bom senso. O vazio de um ser humano tão cheio que se afundou nas suas próprias lágrimas, nos seus sentimentos que viverão durante toda uma eternidade desconhecida e imprevisível, que é que já podemos traçar logo de cara. O amor de mãe, inegavelmente o maior que há nessa vida.
               O que dizer para continuar o diálogo? Soltar umas exclamações, repetir mil vezes a frase “cara, não dá para acreditar”, dizer que vai pedir a Deus para confortar a família... Tantas coisas a dizer e tantas lágrimas a soltar por um respeito estranho, por uma vontade louca de saber por que a vida é assim. Parece que nos tiram a vida antes mesmo de morrermos.
               Eu queria dizer que não há nada a ser dito. A morte é a coisa mais simples que conheço, e parece que quanto mais pêsames nós desejamos, mais permitimos que ela tome conta da nossa vida e se torne uma bola de neve de complexidade. Não sei se ele está num lugar melhor, nem mesmo se olha por nós. Não sei se ele se arrependeu dos seus pecados, se a vida que teve foi bem vivida, se um dia voltará à Terra e acertará contas do passado. A dor de quem fica rasga o peito, e eu me sinto rasgada por saber que não há nada que eu possa fazer para deter o sofrimento de uma mãe. “Mataram meu filho”. Me mataram um pouquinho também. Me empalideceram a cara, a voz, a alma.
E não sei quando corarei novamente.



(Não ouça nada)

 

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