sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Primeiridões



               Quem diria: há magia nas primeiridões.
               O primeiro sorvete. Esse é um momento único, porém esquecível. Mas é graças ao primeiro que surgem as casquinhas, os sundaes, os milk shakes, os potes de dois litros em plena madrugada. A primeira nota vermelha, o primeiro castigo, a primeira pirraça. A primeira taça de vinho, bom, há quem diga ser inesquecível – pelo visto esse sujeito já passou pelo primeiro porre há tempos. O primeiro amor é coisa pra levar pra vida inteira – sim, todo amor a gente leva pra vida inteira, mas o primeiro, meu caro, é diferente, tem um frescor de quem não se arrepende dos erros que comete, das loucuras, das paranoias, enfim, do primeiro contato com o sentimento mais tosco e ao mesmo tempo mais irresistível do universo. A primeira dor de amor também, ah, essa a gente não esquece nem por um decreto. Dói mais que o primeiro porre, que a primeira ressaca, que a primeira chinelada. Dói mais do que todas as ressacas e chineladas juntas. Vai entender.
               A primeira ida à praia – às vezes, quando somos bebês; às vezes, depois de já termos feito bebês. Pisar na areia, ser levemente agredido pelas ondas, se deixar levar pela brisa, se enterrar, se queimar com águas-vivas, caçar tatuí na beirinha do mar, contar barquinhos, tentar enxergar além da linha azul que define o horizonte, se melar com picolé e com protetor solar, perder os olhos na claridade do sol e no céu de guarda-sóis, aprender a viver cada verão como se fosse o último. A primeira canção que ouvimos. As primeiras batidas, os primeiros passos descompromissados na pista, os primeiros acordes, os infinitos minutos de vibrações intensas e alucinantes. O primeiro beijo, ai que bom que isso é, meu Deus, o primeiro arrepio que nos dá. A língua que brinca na boca; primeiro é estranho, mas depois é tão gostoso que dá vontade de ficar ali pra sempre, pra todo o sempre, até não haver mais uma gota de saliva dentro da boca, até os lábios se enroscarem de um jeito que não dá pra desenroscar. A primeira noite em que não se dorme, porque outras coisas são descobertas; o corpo, a alma, a estranha sensação de ser do outro e de si mesmo ao mesmo tempo, ô loucura boa. A primeira perda, o primeiro ganho, o primeiro tombo (andando de bicicleta, pra especificar bem), o primeiro passo, a primeira hora, a primeira lágrima sem ser de manha, a primeira gargalhada, o primeiro copo d’água, a primeira gota, a primeira vez.
               Engraçado essa coisa de poder recomeçar todo dia, toda hora, quando a gente bem quiser, bem entender. Todo dia é o primeiro dia, e todo tempo é tempo de viver e reviver as nossas primeiras vezes. Andar pelos mesmos lugares, com os mesmos passos tortos, matando alguns leões, algumas dúvidas, alguns mosquitos... Mas nunca se esquecer de que a vida é feita de começos.
               Quem diria: sempre haverá magia nas primeiridões. 

(Ouça When the sun comes down, Incognito) 

(Tumblr)

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