sábado, 10 de janeiro de 2015

Ensaiando opiniões: "O irmão alemão", Chico Buarque



               Sempre me encantei com a simplicidade da capa de “Leite derramado” – era o tipo de livro que me fazia parar em frente à vitrine da livraria só pra dar uma velha e boa admirada, o que me fez criar uma espécie de relação com ele. E quando criei coragem (ou simplesmente tomei vergonha na cara) e resolvi mergulhar em suas páginas, acabei aprofundando meus laços e conhecendo uma história que, de longe, tem tudo para ganhar uma estrelinha de “normal”, mas que é tão bem conduzida pela narrativa do Chico que faz o leitor se entregar de vez às palavras. Depois, veio “Budapeste” – livro que li em dois deliciosos dias, logo eu, que levo mais de uma semana para terminar minhas leituras. Acho que eu nunca me joguei tanto numa história como a desse livro. Um dos melhores livros que já li em toda vida.
               Há pouco tempo, Chico lançou “O irmão alemão”. A simplicidade das capas foi mantida, para minha alegria. E a história... Uau. Acabei descobrindo que a narrativa do autor não muda de história em história, aliás, é como se a mesma estratégia fosse repetida em todos os seus livros: um tema tido como regular sempre narrado por um personagem único, que observa a vida da forma mais aberta que há, quase com um quê de epifania. Mesmo que tenham nomes diferentes, os protagonistas – bom, acho que “narradores” é melhor – parecem ser basicamente o mesmo, principalmente pela forma como se entregam às dores e delícias da história que contam.
               Chico Buarque realmente descobriu um meio-irmão alemão que, se fosse vivo, teria lá seus noventa anos. O autor se aprofundou numa pesquisa elaborada sobre este mero desconhecido que, no livro, acaba se tornando a fonte de todo interesse que mantém Ciccio, o protagonista, vivo. Buarque foi à Alemanha com sua filha, Sílvia, em busca de informações do paradeiro do irmão – e não me peçam para revelar detalhes tão bem expostos no livro. Apesar de ser a faísca que provoca o incêndio da história, a descoberta desse irmão não é o único acontecimento que costura a trama: há também um Brasil vítima do golpe militar como cenário, um clima de guerra que tira de Ciccio seu irmão brasileiro. Há também a literatura, a única ponte (mesmo que imaginária) entre o personagem e seu pai, um aficionado por todo tipo de livro. Imaginar uma casa feita de prateleiras entupidas de obras é um deleite para o leitor. Aliás, isso me fez lembrar que não é a primeira vez em que a literatura é personagem num livro do Chico: em “Budapeste”, o protagonista é um ghost writer.
               Como disse, todas as obras do autor são unidas por características inconfundíveis. Mas não pense, caro leitor, que se você ler um livro você já leu todos. Ao ler um único livro escrito pelo Chico, é como ouvir uma de suas canções: você já quer ouvir outra em seguida. Um vício delicioso.
               Não sei se Sergio de Hollander, o pai do protagonista de “O irmão alemão”, um verdadeiro louco por livros, iria gostar desse romance. Provavelmente não. Mas com o tempo aprendemos que a literatura não é feita de clássicos, mas de histórias. Simplesmente histórias. E essas tais histórias só são realmente boas quando são bem contadas. Portanto, seu Sergio, ainda há muito o que aprender.
               Mas uma certeza eu tenho: vivo ou morto, aposto que esse Buarque das Alemanhas da vida deve estar entorpecido com esse romance. 


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