Sempre
me encantei com a simplicidade da capa de “Leite derramado” – era o tipo de
livro que me fazia parar em frente à vitrine da livraria só pra dar uma velha e
boa admirada, o que me fez criar uma espécie de relação com ele. E quando criei
coragem (ou simplesmente tomei vergonha na cara) e resolvi mergulhar em suas
páginas, acabei aprofundando meus laços e conhecendo uma história que, de
longe, tem tudo para ganhar uma estrelinha de “normal”, mas que é tão bem
conduzida pela narrativa do Chico que faz o leitor se entregar de vez às
palavras. Depois, veio “Budapeste” – livro que li em dois deliciosos dias, logo
eu, que levo mais de uma semana para terminar minhas leituras. Acho que eu
nunca me joguei tanto numa história como a desse livro. Um dos melhores livros
que já li em toda vida.
Há
pouco tempo, Chico lançou “O irmão alemão”. A simplicidade das capas foi
mantida, para minha alegria. E a história... Uau. Acabei descobrindo que a
narrativa do autor não muda de história em história, aliás, é como se a mesma
estratégia fosse repetida em todos os seus livros: um tema tido como regular
sempre narrado por um personagem único, que observa a vida da forma mais aberta
que há, quase com um quê de epifania. Mesmo que tenham nomes diferentes, os
protagonistas – bom, acho que “narradores” é melhor – parecem ser basicamente o
mesmo, principalmente pela forma como se entregam às dores e delícias da
história que contam.
Chico
Buarque realmente descobriu um meio-irmão alemão que, se fosse vivo, teria lá
seus noventa anos. O autor se aprofundou numa pesquisa elaborada sobre este
mero desconhecido que, no livro, acaba se tornando a fonte de todo interesse
que mantém Ciccio, o protagonista, vivo. Buarque foi à Alemanha com sua filha,
Sílvia, em busca de informações do paradeiro do irmão – e não me peçam para
revelar detalhes tão bem expostos no livro. Apesar de ser a faísca que provoca
o incêndio da história, a descoberta desse irmão não é o único acontecimento
que costura a trama: há também um Brasil vítima do golpe militar como cenário,
um clima de guerra que tira de Ciccio seu irmão brasileiro. Há também a
literatura, a única ponte (mesmo que imaginária) entre o personagem e seu pai,
um aficionado por todo tipo de livro. Imaginar uma casa feita de prateleiras
entupidas de obras é um deleite para o leitor. Aliás, isso me fez lembrar que
não é a primeira vez em que a literatura é personagem num livro do Chico: em “Budapeste”,
o protagonista é um ghost writer.
Como
disse, todas as obras do autor são unidas por características inconfundíveis.
Mas não pense, caro leitor, que se você ler um livro você já leu todos. Ao ler
um único livro escrito pelo Chico, é como ouvir uma de suas canções: você já
quer ouvir outra em seguida. Um vício delicioso.
Não
sei se Sergio de Hollander, o pai do protagonista de “O irmão alemão”, um
verdadeiro louco por livros, iria gostar desse romance. Provavelmente não. Mas
com o tempo aprendemos que a literatura não é feita de clássicos, mas de
histórias. Simplesmente histórias. E essas tais histórias só são realmente boas
quando são bem contadas. Portanto, seu Sergio, ainda há muito o que aprender.
Mas
uma certeza eu tenho: vivo ou morto, aposto que esse Buarque das Alemanhas da
vida deve estar entorpecido com esse romance.
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