terça-feira, 29 de dezembro de 2015

"Adeus, ano velho"



Já passa das dez. A tevê ligada reflete a distração – bem como as três guias abertas no computador. Podiam ser guias espirituais, guias turísticos... Não viaje tanto, moça. Cuidado com a cabeça. Não se deixe levar por si mesma.
                É nesses tempos de renovação que eu volto à estaca zero. Todos ao redor falam em promessas, pedidos, mudanças... Eu só penso em cortar o cabelo, arrumar minha mala, comprar o que falta e fazer o que ainda me resta de velho: molhar o pão com margarina no chocolate quente, dormir ao som de um jazz batido com pop, contar os aviões que passam a todo instante e imaginar de onde eles estão vindo, escrever uns versinhos idiotas que ninguém vai ler, pensar em quem nunca, nunca, mas nunca mesmo fará parte dessa admirável e um pouco tediosa loucura que é viver comigo. O tempo passa, os astros chutam possibilidades estranhas para o futuro, as cores, as canções, os fatos, os retratos, as pessoas, os sentimentos, os segundos... Tudo se mistura mais de 365 vezes, criando uma atmosfera de liquidificador que bate tudo com gelo porque esse calor, meu caro, não é de deus.
                Tanta coisa pra falar. Os dias passaram tão rápido! Os dias se arrastaram! Eu me confundo entre essas aspas imaginárias que a gente inventa e faz de marca texto, que empodera com a nossa licença poética... Aliás, “empoderar” foi o verbo do ano. Quem tem poder? E que poder é esse que não tenho? É algo especial, sobrenatural, fora da nossa vista quadrada emoldurada por uma armação Ray-Ban? Por que eu não tenho o poder de fazer tudo ser como eu quero que seja, ou de ao menos fazer você olhar pra mim, me enxergar, seja você quem for, caro leitor que eu conheço, desconheço, e que me faz perder a hora de encerrar a oração com um amém e uma interrogação? Quem seria você? Quem será você? Quem você já foi um dia? Será que foi você mesmo?
                Eu me sinto fraca. É a dor de cabeça, é o mofo desse ano que ainda não foi embora, é o calor de verão que ultrapassa os cinquenta graus, é essa saudade estranha de ser algo que eu provavelmente nunca fui, de ter um poder que nunca, nunca foi meu. O poder de ser vista, ouvida, respeitada, aplaudida, amada – tão especificamente que chega a ser grosseria da minha parte. E chega a ser estranho te ver tão forte aí do outro lado, você e esses seus olhos cansados que pedem um par de óculos e uma boa dose de certeza. Talvez eu te falte – mesmo que você me leia de cabo a rabo, ah, meu amigo, não é a mesma coisa, acredite. Mas é que esse futuro estranho me chama. Esse futuro quer que eu dance, que eu me vire, que eu me enrosque, me empodere. Pode ser que a sua saudade imaginária aumente. A minha também há de aumentar. Mas não tem problema: o que seria de nós sem um pingo de saudade, não é mesmo?
                O tempo passa. A dor de cabeça é a mesma. O vazio também. O mesmo eu falo do som alto, dos buracos, da programação natalina na televisão. E não há porta-retrato que te aproxime de mim, simplesmente porque eu não te conheço – talvez eu já tenha te visto, mas não é a mesma coisa. Vem muita coisa pela frente, e eu não preciso ler meu mapa astral pra saber disso. Eu sinto. Eu prevejo. Eu escrevo num livro perdido que faz tudo ter sentido.
                Mas entre todas essas coisas, não se encontra aquela que devia ter acontecido nesses dias que passaram. Eu não te conheci.
                E eu bem que queria ter te conhecido.
                Mas deixa pra próxima. Ok, não sejamos hipócritas. Deixa pra essa minha cabeça de vento. Ela precisa trabalhar um pouco, ver se refresca as coisas por aqui.
                Feliz ano velho.
Feliz “podia ter sido”.
Feliz “tanto faz”.
Feliz “whatever”. 

(Ouça Love is a losing game, Amy Winehouse) 


quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Verão o quê?



Já dizia a poesia: “É verão, sei lá”.
**
Boca seca. Palpitação. Tremedeira. Dor de cabeça. Teto preto. Tudo rodando. Em que ano estamos? Como é que eu me chamo? Quantos graus tá fazendo? Pra que tantos graus? Por que eu tenho quatro mãos...
Desidratação.
Olha a água mineral, você vai ficar legal. Mas não olhe simplesmente: OLHA OLHA OLHA OLHA OLHA, ou seja, pare tudo que você está fazendo e foque na água, meu amigo, foque na água!
**
O axé com certeza é o gênero musical (e textual) mais incompreendido da nossa cultura. Há muito mais do que uma repetição silábica aparente incoerente. Há um quê afrodisíaco, revigorante, quase transcendental. Eu diria que é possível atingir o nirvana ouvindo o marido da Cinderela Baiana – ora, Xandy vem a ser um príncipe, que bonito isso. O axé,  meu caro, faz você esquecer que há um sol infernal debaixo da sua cabeça, tão infernal quanto o cheio da axila (e da urina) alheia, quanto o fato de você estar numa cidade praiana lotada com areias e sacos de gelo disputados de tal forma que nos faz questionar o quão primitivo é o instinto humano.
O axé, meu bem, é um entorpecente. É o tal do “chêro”. É o que te mantém de pé.
Axé.
**
Tudo começou há um tempo atrás na ilha do Sol.
Mas verão que era tudo mentira. Não era amor, era o calor – cilada é só em fevereiro, ainda estamos enfrentando o final de dezembro, calminha aí. Verão que aqueles beijos empapuçados de amor (calma, Rita, já mandei ter calma!) não passavam de fogo, de um fogo que consome as áreas mais sensíveis do corpo e da alma, um fogo de altas proporções, porém passageiro. Verão que o tempo cura tudo – até mesmo a ressaca, o excesso de comida pós festas de fim de ano, a culpa pelas promessas não cumpridas, os afogamentos causados pelas falhas tentativas de pular sete ondas – talvez você tenha se perdido na conta, amigo. Verão que você apostou nas cores erradas, porque por mais que você precise de amor e dinheiro ao mesmo tempo, talvez não seja legal colocar uma blusa dourada e short de couro vermelho – é verão, sei lá. Verão que esse teu desespero te acompanha há não sei quantos dezembros, mas que você, guerreiro que é, ainda tem esperanças no futuro.
Aliás, como será o amanhã? Responda quem puder.
Responde qualquer coisa. Só pra Simone calar a boca.
**
Não se deixe abalar pelas ondas do mar (e da galera do avião), pelo teor etílico acima da média, pelo beijo não dado (ou por aquele molhado – pra não dizer “babado”), pelo tempo desperdiçado em lojas e engarrafamentos, pelas falsidades de fim de ano, pelas confraternizações que te esvaziam a carteira, pelos amigos secretos que te dão facas enquanto você leva facadas do seu cartão de crédito para comprar seu presente, pelos especiais de fim de ano na tevê, pela ausência de um mozaum pra beijar durante a queima de fogos, pelas farturas desnecessárias em pleno 24/25 que na verdade só quer paz e amor, ah, não se deixe abalar pelo verão, meu caro.
Sê forte.
Sê guerreiro.
Cerve... Não, apenas pare.
(e pegue no compasso).

(ouça a discografia do grande rei da música popular brasileira: Netinho de Milla)
 (Mark Hobley)

domingo, 13 de dezembro de 2015

"Full of dreams"



Uma cabeça cheia de sonhos. Tem que ser muito otimista/sorridente/saltitante/desesperador/desesperado/ para assumir tal característica. Às vezes gótico, contando histórias fantasmagóricas, tentando tirar um fundo de sensualidade de um dia chuvoso e assustador – o mesmo dia em que, nas outras vezes, é cercado de angústia, desespero e lágrimas nada sensuais, acredite. Um dia amarelo, diria a música. Desses em que toda a fragilidade incide – não, pera...
                Desde que o novo disco do Coldplay foi lançado, entrei no mais gostoso conflito que esse grupo tão cheio de conflitudes já me fez entrar. Faz 10 anos que acompanho a banda – sim, foi um começo com um quê esporádico, mas depois que a gente pega gosto pela coisa, fica difícil sair. Foi lá no tristonho X&Y (que caiu como uma luva na minha adolescência) que me encantei – mas ainda não havia entendido. “The Hardest Part” e o clipe do casal louco dançando enquanto a banda cantava um roquezinho de letra quase suicida e melodia pra bater o pé e conduzir o ouvinte no falsete do refrão – uma das lembranças mais marcantes do passado.
                Aí veio “Fix you” e eu me desconsertei toda.
                Porém, havia algo mais sombrio e agradável do que este álbum tão interessante que eu descobri por causa do clipe do casal louco dançando enquanto a banda patatá-tititi-popopó. Cinco anos antes, “Parachutes” veio ao mundo – e este sim, meu amigo, é pra sofrer em posição fetal. Porque X&Y tem uma coisa a ver com conformismo, e como diria uma tia minha, não devemos nos acostumar a sofrer. “Parachutes” não – este é pra quando você levou o susto e ainda está naquela fase de “cair a ficha”.
                Depois que você faz uma análise de todos os álbuns do Coldplay, você entende que há muita humanidade por trás de uma banda que, de uns tempos pra cá, parece que resolveu se dedicar mais às vendas do que ao experimental – um pensamento patético sugerido por ouvidos preguiçosos. “Viva la vida” é vitorioso, porém um fracasso – quer coisa mais humana que isso? Até o suposto plágio (que agora eu não me lembro se foi confirmado) dá cor a esse tanto de humanidade que eu venho dedilhando dessas linhas – afinal de contas, na tv, na arte e na vida nada se cria, tudo se copia. Aí veio “Mylo Xyloto”, o mais expressivo em termos de cor, o mais pop, o mais estranho, o mais assustador para um bom ouvinte de Coldplay. Como assim para-para-paradise? Antes só tinha yellow, agora tem um arco-íris, um balde de tinta, um muro pichado... epa! Um muro pichado! Frases soltas, perdidas, desejos estranhos, “we’ll run riot/we’ll be glowing in the dark”... Um erro, um acerto, qualquer coisa assim. Apenas a vontade estranha de se expandir, de se reinventar, de colorir um pouco essa jornada tão mórbida que, por mais audiência que dê, cansa, pensa, deprime de verdade.
                Ok. Nem todo mundo gostou de “Mylo Xyloto”.
                Ah sim, as histórias fantasmagóricas... Que muita gente achou que fosse história pra boi dormir. Um visual bem elaborado, umas batidas um pouquiiiiinho sonolentas e um Chris Martin conquistando as menininhas fazendo o mágico naquele clipe que eu não prestei muita atenção porque estava bem envolvida com a música. Ali tinha Coldplay? Tinha. Tinha a essência da banda. A essência que muitos não acharam por trás das cores fortes do disco anterior, mas que também estava lá. A essência da nossa alma, da nossa necessidade de pensar além, de fechar os olhos e viajar na maionese, no ketchup ou onde você quiser. A essência desses caras é o delírio. Seja no uououo, na batida que vem do nada e te faz dar aquele pulinho, na extensão do arranjo, na cor (ou na falta dela), na letra, na melancolia, na superação (forçada), na vontade de viver, de voar, de crescer, de sobreviver. Sobreviver seria um delírio? Sim, por que não?
                Aí veio “A head full of dreams”. A princípio, pensei que fosse um pedido de desculpas pelo disco anterior que, dizem, não foi lá muito bem recebido pela crítica – bobagem. Depois a gente analisa bem e vê que tá longe de ser isso. “A head...” é o que estava escondido em todos os álbuns da banda. A alma deles está tão completa nesse disco que assusta. Parece que eles atingiram o nirvana, cumpriram sua missão, já podem morrer em paz. Isso é estranho. Isso é melancólico. Isso é alegre. Isso é triste. Isso é... tudo. That’s all, folks!
                Invejo a capacidade de ser tão experimental, tão livre, tão despreocupado (aparentemente), tão assertivo. É como se fosse uma brincadeira, sabe? E vai dizer que música não é uma brincadeira? Vai dizer que a vida não é uma brincadeira?
                E tudo não passou de um sonho. Ou vários.
                Ah... parabéns, meninos.  

(Ouça Up&Up, Coldplay) 

(Angelo Volpe)

domingo, 6 de dezembro de 2015

Atrás das grades



Eu vou pra janela
e ficou surda
muda
entorpecida
uma desconhecida
que passou por mim
eu estou cheia
de gordura e pensamento
estou farta
de tanto sentimento
eu conto as luzes
eu musico as buzinas
sou uma menina
atrás das grades
eu enrolo as entranhas
eu me sinto tão estranha
que subo e desço as escadas
pulando os degraus
mas ainda estou na janela
rimando qualquer coisa com ela
que sou eu
que sou aquela
que viu seu nome na tela do telefone
e que some para você sumir
da vida dela
da minha vida
de todas as vidas
das linhas dos meus romances
dos versos dos meus poemas
das minhas entranhas
aquelas enroladas que se sentem estranhas
eu vivo para o dia seguinte
mas enquanto ele não surge
eu fico na janela
fingindo que o espero
mas te esperando, sem querer
criando inimizades
resolvendo ambiguidades
chorando por dentro
e vazando por fora
hiperbólica
mas queria mesmo era ser gostosa
pleonástica
telúrica
terráquea
cor de rosa
cansada.

Você não sabe
mas está aqui comigo
cheio
vazio
perdido
como eu
se isso for incesto
do mundo eu me despeço
mas antes
deixa o Emirates passar
pra eu dar boa noite
pra tela do celular.

(Ouça Million years ago, Adele)

(DiegoKoi)

sábado, 28 de novembro de 2015

Superar (ou "super ar")



                De repente, um cheiro de morte apareceu na minha família. Meu tio foi embora e deixou lágrimas, saudades e um punhado de dor. A família inteira morreu um pouco, e então eu pensei na burocracia, nas incertezas, no futuro de quem fica. Todos nós pensamos. E aqui estou eu, antes mesmo de terminar a introdução, já pensando nas considerações finais. Ou seria o contrário?
            A vida é estranha, cheia de buracos, de porradas, de expectativas frustradas. Mas acredite: ela não é tão falha quanto a morte. A morte, meus amigos, não presta. Quem vai, vai. Mas quem fica...
            Quem fica deve assinar papéis, cuidar de problemas difíceis, planejar um futuro impensado, reerguer-se, tirar forças do fundo do poço, reviver. Como se tivesse acabado de passar por um desfibrilador. Os efeitos do choque parecem permanentes.
            Não é possível esquecer – ah, isso não existe. Nem pra quem morre, nem pra quem fica, nem pra quem descobre que não tem mais chance. Só há uma maneira de realmente esquecer aquele(a) ou aquilo que nos é quase essencial de tão importante: ou você bate a cabeça na parede e sacode o cérebro ou junta os pulsos e se deixa levar pelo Alzheimer. Se você ama – e amor não tem tamanho, acredite -, bom, esquecer não é uma opção.
            Mas você supera. Supera a morte, supera a frustração de um amor rejeitado, um fato trágico que te deixou de pernas para o ar. Você descobre que usou o verbo errado durante toda a vida, mas que ainda há tempo de se redimir – hora de superar os erros que você cometeu.
            Superar é lembrar todo dia, a cada momento, como se fosse um post it colorido perdido entre tantos outros que emolduram a tela do seu computador. Vez ou outra você acaba passando o dia sem tempo de ler o que está escrito naquele papel minúsculo, mas você sabe o que está escrito ali – e consegue viver sem ter que passar aquelas palavras para uma folha A4. Você se descobre parte do que viveu e de quem viveu com você. Segue em frente. Às vezes, você olha pra trás, e uma lagrimeta escorre sem te dar tempo pra engolir o choro e continuar a sua nova rotina. Mas lá está você, firme e forte, sabendo que a força vem de tudo que um belo dia fez você se sentir a criatura mais fraca da face da Terra.
            É difícil. Extremamente duro. É preciso morrer um pouco para entender que essa coisa de perder e ganhar é um ciclo sem fim – como a vida, como a morte, como tempo. O tempo – senhor de todas as coisas, aquele que dita sorrisos e sofrimentos, aquele que nos ensina tudo que devemos aprender nesse árduo processo de autoconhecimento chamado perda.
            No fim das contas, somos todos falhos – assim como a vida e a morte.
            Mas isso a gente supera. Pode crer. 

(Ouça Everglow, Coldplay) 

(Art Fucks Me)