Químicos não sabem
começar textos.
A química é direta,
é exata, não tem frescura. Ou você é um metal ou é um não-metal; ou luta pra
ser perfeito ou acha um saco essa coisa de ter que se aceitar como a porcaria
de um gás nobre. O problema é se ver num mundo onde todos estão dispersos e
encalacrados, e você é só mais um no meio de todos esses.
Eu quero ser um gás
nobre, essa é a verdade. Quero ter os oito elétrons na camada de valência, e caso eu não
tenha, tudo bem, desde que eu arranje um bom cidadão que doe ou que me receba,
tá ótimo. É, eu não sou um gás nobre. É, eu necessito de uma ligação iônica...
Não, não. Eu sonho mesmo é com uma ligação covalente, compartilhamento,
parceria, “eu entrego a minha vida nas tuas mãos”. Não é porque eu sou um
elemento químico que eu não vou ser romântico.
Às vezes, tudo que a
gente precisa é ingerir um bom antiácido pra ver se neutraliza as coisas dentro
da gente, pra transformar tudo em água – um oásis dentro de mim cai muito bem.
Eu só queria ser perfeito. Só queria ser endotérmico e exotérmico nas horas
certas; sabe, tem momentos em que é preciso absorver, mas tem outros em que
liberar é o que há. Eu queria não ter medo dos balanceamentos, das regras de
três – aliás, eu adoro a regra de três, adoro a forma como ela me resolve, como
coloca os pingos nos is., e é por isso mesmo que eu a temo tanto. Porque no momento é disso que eu preciso: os is com
seus devidos pingos.
Dia desses me senti
um ser inútil, um gás estufa, uma aberração. Não sei mais em que família ou
período me meti. Eu sou só mais um na tabela periódica, e talvez eu me torne um
ácido, um hidróxido ou quem sabe não dê sorte e me torne um sal? Mas quero ser
um sal potente, por favor... Quero dar choque. Quero assustar o mundo assim
como ele me assusta. Quero descomplicar essa vida, deixar de lado as reações
diretas, inversas, equilibradas... Enfim, quero deixar de lado essa mania de fugir do problema pra não
perder o equilíbrio. Como se eu fosse um fantoche.
Talvez eu já seja
desequilibrado. O que me resta é aceitar. O que me resta é conviver com isso, é
aprender a conviver comigo mesmo antes que tenham que conviver comigo. E quem
sabe eu não me conformo com essa imprevisibilidade? Quem sabe eu não veja o
lado bom em ser só mais um elemento, só mais um grão de areia no deserto? Tudo
é possível.
Químicos não sabem
terminar textos. Bom, se bem que temos a estequiometria a nosso favor.
(Ouça Céu azul, Charlie Brown Jr.)
(Andy Gilmore)
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