sexta-feira, 8 de agosto de 2014

É uma questão de química, entende?



   Químicos não sabem começar textos.
   A química é direta, é exata, não tem frescura. Ou você é um metal ou é um não-metal; ou luta pra ser perfeito ou acha um saco essa coisa de ter que se aceitar como a porcaria de um gás nobre. O problema é se ver num mundo onde todos estão dispersos e encalacrados, e você é só mais um no meio de todos esses.
   Eu quero ser um gás nobre, essa é a verdade. Quero ter os oito elétrons na camada de valência, e caso eu não tenha, tudo bem, desde que eu arranje um bom cidadão que doe ou que me receba, tá ótimo. É, eu não sou um gás nobre. É, eu necessito de uma ligação iônica... Não, não. Eu sonho mesmo é com uma ligação covalente, compartilhamento, parceria, “eu entrego a minha vida nas tuas mãos”. Não é porque eu sou um elemento químico que eu não vou ser romântico.
   Às vezes, tudo que a gente precisa é ingerir um bom antiácido pra ver se neutraliza as coisas dentro da gente, pra transformar tudo em água – um oásis dentro de mim cai muito bem. Eu só queria ser perfeito. Só queria ser endotérmico e exotérmico nas horas certas; sabe, tem momentos em que é preciso absorver, mas tem outros em que liberar é o que há. Eu queria não ter medo dos balanceamentos, das regras de três – aliás, eu adoro a regra de três, adoro a forma como ela me resolve, como coloca os pingos nos is., e é por isso mesmo que eu a temo tanto. Porque no momento é disso que eu preciso: os is com seus devidos pingos.
   Dia desses me senti um ser inútil, um gás estufa, uma aberração. Não sei mais em que família ou período me meti. Eu sou só mais um na tabela periódica, e talvez eu me torne um ácido, um hidróxido ou quem sabe não dê sorte e me torne um sal? Mas quero ser um sal potente, por favor... Quero dar choque. Quero assustar o mundo assim como ele me assusta. Quero descomplicar essa vida, deixar de lado as reações diretas, inversas, equilibradas... Enfim, quero deixar de lado essa mania de fugir do problema pra não perder o equilíbrio. Como se eu fosse um fantoche.
   Talvez eu já seja desequilibrado. O que me resta é aceitar. O que me resta é conviver com isso, é aprender a conviver comigo mesmo antes que tenham que conviver comigo. E quem sabe eu não me conformo com essa imprevisibilidade? Quem sabe eu não veja o lado bom em ser só mais um elemento, só mais um grão de areia no deserto? Tudo é possível.
   Químicos não sabem terminar textos. Bom, se bem que temos a estequiometria a nosso favor. 

(Ouça Céu azul, Charlie Brown Jr.)

(Andy Gilmore)

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