quarta-feira, 4 de maio de 2016

Impressões

Dia desses, tentei flertar. Fui lá, dei a cara à tapa, mostrei voz, opinião, fiquei no ataque e pisquei o olho no final. Fui eu mesma. Ou tentei.
Nesse mesmo dia, forcei minha vista sobre “mim mesma”. Sobre o que eu vejo em mim e sobre o que eu quero que os outros vejam. Sobre esse tanto de reflexos forçados que vejo nesse grande espelho repleto de retoques chamado Facebook – e tantos outros caquinhos de vidro que ajudam a compor esse aglomerado. Sobre essa mania que temos de dizer que somos nós mesmos (além de redundante, é cafona), sobre a necessidade de sermos olhados, notados, curtidos, comentados, compartilhados, invejados, desejados, exaltados, colocados num altar – alterados.
O flerte não deu certo.
Já o truque da vista, talvez.
Minha miopia disparou, na verdade.
No meio da madrugada, acordei pensando nisso. Impressões. Pinceladas carregadas de cores alegres e de traços perfeitos. Monet, Degas, Van Gogh. Kardashians, Pugliesi e tantas outras arrobas que agora me fogem. Uma comparação chula, eu diria. Nem tanto, se consideramos tempo, ferramentas, objetivos. No fim das contas, o que fica é a impressão – digital ou a óleo.
Nós somos feitos pra causar. Pelo menos é nisso que acreditamos. E pra isso, pintamos, impressionamos, fingimos, forçamos, gritamos, borramos, choramos e esbarramos no perigoso vale da hipérbole. O clímax é a tela pronta, a boa impressão (que, como manda o figurino, deve ser a primeira) e todo esse conjunto de pinceladas aparentemente harmônicas e muito bem calculadas – o tal do “be yourself”. O clímax desse texto é justamente a falta de clímax; você pode substituí-lo por umas lágrimas em posição fetal que te ajudam a constatar que a criatura que você quer que os outros vejam tortura quem você realmente é. E poderíamos ficar horas aqui ensaiando sobre o que podemos fazer para aposentar os pincéis e nos jogarmos na tela como um balde de tinta. Mas aí, meus caros, perderíamos muito tempo. E muitos flertes. Curtidas então, nem se fala.
Pensar liberta. E torna tudo mais ... feio. Ou seria melhor dizer “verdadeiro”?
Por fim, caí no sono. Quem te abraça de verdade não é a tela, não é o crush, não é o pincel, não é o espelho. É a cama.
(Ouça Automatic, AlunaGeorge)

(Thelma Zambrano)

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