terça-feira, 15 de setembro de 2015

Míope



Ré confessa: eu não largo o celular. Sete e quinze da manhã, diz o despertador – ele não fala, ele grita. Ele me ensurdece. E eu atraso, enrolo, durmo de novo; que se dane esse dia que tá nascendo lá fora cheio de compromissos e protocolos e gueri-gueris. Sete e vinte e cinco; amiga, mais do que isso não dá. A rotina é a mesma, e eu só deixo esse pleonasmo escapulir nessa conversa porque eu realmente preciso enfatizar como isso tudo é cansativo e me dá sono só de pensar. Entre andar uns quilômetros e estacionar em alguma cadeira, lá se vão uns vinte, trinta minutos – tempo suficiente para a telinha ficar lá, sossegada dentro da bolsa. Mas não dura muito. Mal deu tempo de respirar e já desbloqueei minha foto, já passei o dedo na tela, já me deixei levar.

Virou vício. Eu juro que tento me desvencilhar: “escondo” o telefone e me proíbo de mexer nele durante uma hora. Meu Deus, é a hora mais difícil do meu dia. Meus dedos ficam impacientes; parece até que eu perco a digital. Agonia, ansiedade, doença. Chame do que quiser, eu não me importo. Only God can judge me – isso se ele me seguir no Twitter.

E eu nem me interesso tanto por essas vidas perfeitamente falsas ou falsamente perfeitas. Sorrisos falsos, lágrimas forçadas... Isso é de praxe. Eu nem quero saber disso. Eu não me importo, eu não me importo mesmo, eu não me importo com essa falta do que dizer que poderia dar num perfeito silêncio, mas que acaba desandando num mau uso das palavras que mataria de vergonha qualquer literato. E o mais engraçado dessa vida que me deixa a cada dia mais míope é que não importa a quantidade de vezes que eu atualizo a página: a história nunca muda. É um livro parado. Travado. Previsível. Digno de pena.

O porquê do meu vício? Simples. Trata-se de uma necessidade estranha de estar em algum outro lugar, de me fazer presente, simpática, coerente, alternativa, moderna, linda, angelical, enfim, acumular alguns pedidos de casamentos na caixa de mensagem, quem sabe. Não sei se você sabe, mas já faz um tempo que isso existe: o amor agora é virtual. Merece likes, follows, RTs. O amor perdeu a graça. Virou estratégia de marketing, ação, viral. Aliás, um viral bem ultrapassado. Mas ainda é um vírus. O pior de todos.

Talvez seja por isso que estou aqui, presa nessa tela e “protegida” por um par de óculos que cobre quase metade da minha cara. Porque eu amo alguém, alguma coisa, alguma ideia, algum gesto, alguma mísera esperança de um dia não precisar respirar com a ajuda de aparelhos. Que me perdoem os vegetarianos, mas a carne nunca fez tanta falta. A alma então... Quem é essa recalcada?
Saudades de quando eu não precisava me esconder do mundo para ser eu mesma. Saudades de quando o mundo é que se escondia de mim. Adolescência, nunca pensei que fosse sentir tanto a sua falta.

(Ouça Este seu olhar, Nara Leão) 


(Christophe Cartier)

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