sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Conta-gotas

                Enquanto esperava as últimas gotas saírem, pensei numa coisa engraçada. Isso faz sentido – uma vez, conversando com um amigo, concluímos que é justamente quando estamos no banheiro que as melhores ideias surgem (acho que ele concluiu primeiro; sabe como é, eu tinha que equilibrar a conversa fazendo a nojenta da situação). E foi bem assim mesmo: eu lá, num momento natural e cheio de bactérias, tive um insight que, se for bem trabalhado, pode dispensar uns bons anos de terapia.
                Cazuza cantou uma frase que sempre me fez pensar bem sobre o que significa esse tal amor que alguns dizem que existem em São Paulo, em Nova York, na China, na casa do cacete: “que prazer mais egoísta o de cuidar de um outro ser/mesmo se dando mais do que se tem pra receber”. Ok, talvez seja apenas um eufemismo para aquela famosa arte de ser trouxa... Se for, bom, pelo menos ele escolheu o momento certo para suavizar algo tão indelicado e desastroso que faz parte das nossas vidas.
                Sempre amei essa música, mas quando chegava nessa parte, batia a onda do conflito. Porque é isso mesmo: o amor é egoísta. Talvez o único ato de egoísmo perdoável nos anais dos atos da classe. Será? Será que todo amor tem que ser assim, compulsivo, estranho, louco, causador de suadouros e responsável por gastos imensuráveis com tubos de desodorante e caixas de tarja preta? E por que apenas o garoto rico que queria uma ideologia pra viver soube realmente definir essa porcaria de sentimentos quando temos uma MPB inteira, meu deus?
                A gente não escolhe amar, é verdade. Mas, na nossa mente fértil (e um pouquinho correta), quando amamos provamos para nós mesmos que não somos psicopatas. E também não escolhemos quem amar; apenas amamos. É o alívio e a tensão no mesmo copo. Dose fatal pior que muita cervejinha metida a besta que derruba você, caro leitor fracote.
                No meu insight conta-gotas, pensei: eu não quero esse amor baseado numa crítica travestida de eufemismo. Não que eu esteja dispensando a loucura – existem momentos em que ela é mais do que necessária, se é que você me entende. Mas é aquilo: que amor é esse que te desgasta, te coloca pra baixo, derruba sua autoestima e te faz desperdiçar sua criatividade literária com cartinhas toscas para alguém que nem se importa com o que você faz da vida? Saindo de um poeta e indo para o outro, anote aí: não era amor, era cilada.
                Decidi me preocupar menos. Sofrer menos. Parar de correr atrás; minhas pernas têm andado bem doloridas ultimamente. Que se dane esse amor cheio de correntes, padrões, manuais e sofrências no meio da noite com uma taça de vinho, um cigarro pela metade e uma Marina Depressiva Lima invadindo a casa com sua voz rouca e suas palavras meio esquisitas de se entender (Marina, te amo, tá?). Que se dane tudo isso. Eu quero mudar todas as músicas. Quero me defender com eufemismos e trocos idiotas que nada mais são do que tentativas honestas de se manter são, salvo e longe dos truques baixos desse sentimento perverso. Ok, pra não dizer que a partir de agora vou sair por aí conquistando pessoas para torcer seus pescoços horas depois, eu até deixo esse tal de amor me pegar. Mas tem que ser tranquilo, leve, sem cobranças, conselhos, dicas, tutoriais, vídeos no YouTube, vapores baratos. Não precisa ser poético, musicável nem mesmo cinematográfico. Tem que ser leve. Tem que ser prático. Inexplicável. Desde que preserve minha alma e minhas pernas, eu topo.
                Pensando bem, vou continuar bebendo bastante água. Vai que surge uma ideia mais sensata e menos ingênua, não é mesmo?



“... Que quem ama nessa vida, às vezes ama sem querer... Que a dor no fundo esconde uma pontinha de prazer...”

               
 (Christophe Cartier)


(Ouça Minha flor, meu bebê, Cazuza)

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