Sempre gostei de lugares cheios. Ônibus,
restaurantes, salas de reunião. Gente falando, rindo, reclamando, gesticulando
como se o mundo se resumisse em palavras, sons, danças de mãos. Talvez isso
tudo seja loucura. Talvez seja apenas uma forma poética de ver o caos, e acabar
percebendo que, sem ele, a vida não teria a menor graça.
Mas
é que, ultimamente, a vida tem feito barulho demais - o que me leva a apostar
cegamente na primeira opção.
Em
todas as avenidas, opiniões eclodem, buzinam, quase perturbam. Tantas vozes
fazem uma só – deturpada, estranha, como se saísse de um desses filmes toscos
de horror. Desaprendeu-se a falar; todos gritam. Ninguém canta. Ninguém dança.
Ninguém pula carnaval. Talvez a quarta-feira de cinzas seja mais colorida que
esses dias cinzas e roucos, porém sempre estridentes. Dias em que tudo parece
girar ao redor de cada um, sendo que cada um é realmente um de cada. Vote em
quem eu vou votar. Faça o que eu faço. Diga o que eu digo. Pense como eu penso.
Liberdade de expressão virou liberdade de opressão. Chuva de verão virou chuva
de santinhos sujando a cidade. Balinha de hortelã virou comprimido tarja preta.
Arte marcial virou defesa pessoal – e defesa pessoal virou “fazer justiça com
as próprias mãos”. E fazer justiça com as próprias mãos... Creio que o sentido
antes tido como “sujo” dessa expressão é o que hoje em dia menos me incomoda.
Viramos a Geração Enxaqueca, e nos esquecemos que a defesa é o melhor ataque,
não é o ataque que é a melhor defesa. Distraídos venceremos, já dizia Leminski.
Só não sei exatamente o que.
Isso
é mais do que uma reclamação. É mais do que um grito de socorro esperando por
um salva-vidas não necessariamente musculoso, que apenas não tenha medo de
tubarão. Um alarme disparado, um telefonema no meio da madrugada, uma pedra
atirada contra a janela, um céu borrado por um relâmpago. Desabafo? Diários
foram feitos para serem esquecidos, porque a verdade é que não temos tempo para
preencher páginas com o que já passou. A mente é o único diário que vale. Pode
ser que isso seja um pedido. Desses que vêm lá do fundo sabe? Só não se sabe do
fundo de que. Por alguns segundos – ok, minutos... Horas, pode ser? – então,
por algumas horas, queria que fizessem silêncio. Não peço para que acatem
ordens ou se deixem levar por golpes, fascismos, narcisismos, não, nada disso.
Nem quero que se tornem seres excessivamente filosóficos e dotados de uma
chatice incontestável e inadjetivável – sorry, mama. Só quero que parem, parem
um pouco, só um pouco. Guardem suas opiniões, seus ressentimentos, seus
ataques, suas armas. Guardem essas vergonhas, essas loucuras, esses zumbidos.
Não falem. Pensem, mas só se quiserem pensar. Que
se dane o que o outro vai pensar. Que se dane o outro. Que eu me dane. Que nós
todos nos danemos. Que apenas as coisas mais simples sejam importantes. Olhar o
céu, roubar um beijo, trocar olhares, dar as mãos, dormir um pouco, comer
aquele risoto de camarão, ok, se você é alérgico coma outra coisa, se você não
gosta não coma, se não sente fome não precisa comer, faça o que quiser, faça
como quiser, mas não me faça fazer o mesmo que você. Nesse momento, não nos lembraremos
que todos somos um porque a intenção é perder de vista quem achamos que somos. Só
nos vale a certeza de que já nos perdemos há tempos. O que vale é a textura da
água, o papel cortando o dedo, o sangue em conta-gotas, o perfume da brisa
fresca, a nuvem passeando, o avião berrando, o pássaro pousando, a lua
brilhando, tudo ando, tudo anda, tudo indo... Mas todos parados. Quietos.
Calmos. É no break que a gente se conserta. E depois concerta. Para nós mesmos.
Depois
dessas horas, seremos nós mesmos. Não, seremos mais do que nós mesmos; seremos
o todo. Que para, que pensa, que age, reage, reflete. Que entende, Respeita. Ouve.
Dá descanso pra garganta. Que alimenta o cérebro.
Mas
esse é só um pedido. E se esta for só mais uma forma poética de enxergar o
caos, tudo bem. Pelo menos é uma forma diferente.
No
mais, chega de falar. Chega de frases congeladas requentadas no micro-ondas.
Chega de palavras. Temos mais coisas legais no nosso corpo além dela – sem contar
as suas outras funções que renegamos por puro esquecimento.
Chega
de tudo.
(Ouça l'autre valse d'amélie, Yann Tiersen)

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