quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Ao abrir a boca



Abrir a boca é mais indecente do que tirar a roupa. Portanto, tome cuidado.
Antes da boca, os ouvidos. O dom da audição. Ouvir o que se diz e o que se pensa, sempre procurando o que se pensa naquilo que se diz, e sempre desprezando o que diz naquilo que se pensa. Olhar bem nos olhos e enxergar a aura, a sensatez, a verdade ou a falta dela. Buscar no mar de nervos e remelas uma ponta de segurança, de conforto, de aconchego. Não ter medo. Só há ação com boa observação.
Ao abrir a boca, verifique seu hálito, seus hábitos, seus desejos. Não se abre a boca para qualquer pessoa. Em boca fechada não entra mosca; mas também não entra nem sai nada. Ditado mais ignorante.
Respire fundo. A mensagem é o período, e o período é composto por frases, e as frases são compostas por sintagmas, e os sintagmas são feitos de vocábulos, e o que seria dos vocábulos sem os morfemas? Nada. Quem diria: será possível encontrar um pouco de filosofia dentro da gramática? As palavras devem ser pensadas, repensadas, mas nunca requentadas. Deve haver sentido, significado, importância, compreensão. Não precisa ter ouvido. Às vezes, nem precisa ter razão. Tem momentos em que a gente fala só pra sentir a saliva circulando. Mas só em alguns momentos.
Masque um chiclete. Por mais que os médicos repudiem essa atitude, quando houver algo dentro de você a ponto de explodir mas, por alguma razão, você não deve deixar explodir, não pense duas vezes: ponha alguma coisa na boca. Isso fica a critério do freguês.
Cante. Mesmo que a sua voz seja horrível, a pior do mundo, o som mais medonho que há. Canta forte, canta alto. Canta sem medo da canção, seja ela qual for. Canta por cantar, para ter o que falar, para não ter. Para espantar os males, se afundar em novos mares, botar as cordas vocais pra vibrarem. E se não           quiser cantar, conta uma piada. Pode ser limpa, pode ser suja, pode ser cheirosinha, fedorenta. Conta uma história. Quem conta um conto, ganha um ponto. Qualquer papo. Qualquer coisa.
Mas não faça silêncio... Em hipótese alguma. 


(Ouça Barato Total, Gal Costa)

(Lucinda Hollingsworth)

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