sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Réveillon



   Faz quase um ano, mas eu me lembro como se fosse hoje.
   Não adianta: mesmo que a cidade tenha o adjetivo “frio” no nome (e então o frio se torna parte do substantivo próprio, o que não deixa de ser louco), as noites de dezembro são quentes. Assim como foi a primeira noite depois que meu avô faleceu. Assim como a noite de natal. Bom, no Réveillon não seria diferente.
    Em lugar de praia é assim: se você quer ver os fogos brotando do mar, precisa se antecipar. Ainda mais em Cabo Frio, cidade grande que só, cheia de gente, de pés, de rodas, de pressa... Uma extensão respeitosa do Rio de Janeiro. A tradição do branco eu até aceito, mas ainda penso em lentilhas como algo chato. Pular sete ondas... Olha, deixa pra próxima. O que me traz a esse espaço em branco não é a contagem regressiva, a virada do ano. Eu gosto é de pensar no caminho que fizemos até a praia.
De um lado, meu primo carregava um isopor com todas as bebidas que você possa imaginar. Do outro, meus tios com as mãos dadas, naquele instinto selvagem de proteção que somente os casais na mais plena sintonia conseguem entender. Minha mãe seguia, assim como meus outros parentes, primos, tios, sei lá o que. Só sei que andávamos – não em linha reta, porque a calçada não deixava; vez ou outra tínhamos que desviar de pessoas, de obstáculos, até mesmo de carros. Víamos batidas no meio do caminho – seguir a pé pode ser “divertido”, acredite. Mas seguíamos. Nunca saberei explicar exatamente o que senti enquanto fazia aquela caminhada. O ano estava pra virar... E eu virava mais um ano. Quantos sentidos há nessa frase? Difícil explicar.
   Pernas trôpegas feitas por um caminho mal traçado. Desvios inesperados, buzinas, gritos. Uns brigam, outros choram, alguns sorriem como se a vida fosse apenas um ciclo qualquer: venceu a validade, é só jogar fora e não se esquecer de reciclar a embalagem. Olhares confiantes, ansiosos, amáveis. A falta de conforto da sandália apertada. A sede que vem com a vontade de chegar, de alcançar, de fincar a bandeira... Mas caminhar, mesmo que seja difícil e até mesmo insuportável, é um presente. Um momento tão incrível que não dá descrever. E quando a gente chega, quando a gente alcança, quando a gente finca a bandeira... A gente não se sente realizado. Porque nós queremos as bolhas nos pés, o suor pingando, a sede consumindo as cordas vocais. Nós queremos o cansaço. Nós queremos a esperança. De um ano melhor. De um futuro brilhante. De um dia que começa e termina bem.
    Todos aqueles rostos, aqueles passos, aqueles sorrisos, até mesmo aquelas buzinas e batidas de carro... Tudo aquilo me marcou. O beijo apaixonado que eu dei em pensamento, os abraços verdadeiros que distribuí na realidade, aqueles fogos que brilhavam a ponto de me enlouquecer... Eu senti aquilo, tudo aquilo. A sensação de entrega que só a esperança nos dá. A paz que vem da confusão do réveillon e da magia de acordar todo dia e querer fazer tudo de novo. Caminhar é preciso; chegar é impreciso – desculpa, Pessoa.
     Eis a magia de viver: acreditar. Sentir. Caminhar. Se entregar.
   E o resto não é resto: é janeiro.

(Ouça Lost stars, Maroon 5)

(Nathan Bobey)

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