Faz quase um ano,
mas eu me lembro como se fosse hoje.
Não adianta: mesmo
que a cidade tenha o adjetivo “frio” no nome (e então o frio se torna parte do
substantivo próprio, o que não deixa de ser louco), as noites de dezembro são
quentes. Assim como foi a primeira noite depois que meu avô faleceu. Assim como a
noite de natal. Bom, no Réveillon não seria diferente.
Em lugar de praia é
assim: se você quer ver os fogos brotando do mar, precisa se antecipar. Ainda
mais em Cabo Frio, cidade grande que só, cheia de gente, de pés, de rodas, de
pressa... Uma extensão respeitosa do Rio de Janeiro. A tradição do branco eu
até aceito, mas ainda penso em lentilhas como algo chato. Pular sete ondas...
Olha, deixa pra próxima. O que me traz a esse espaço em branco não é a contagem
regressiva, a virada do ano. Eu gosto é de pensar no caminho que fizemos até a
praia.
De um lado, meu primo carregava um isopor com todas as
bebidas que você possa imaginar. Do outro, meus tios com as mãos dadas, naquele
instinto selvagem de proteção que somente os casais na mais plena sintonia
conseguem entender. Minha mãe seguia, assim como meus outros parentes, primos,
tios, sei lá o que. Só sei que andávamos – não em linha reta, porque a calçada
não deixava; vez ou outra tínhamos que desviar de pessoas, de obstáculos, até
mesmo de carros. Víamos batidas no meio do caminho – seguir a pé pode ser “divertido”,
acredite. Mas seguíamos. Nunca saberei explicar exatamente o que senti enquanto
fazia aquela caminhada. O ano estava pra virar... E eu virava mais um ano.
Quantos sentidos há nessa frase? Difícil explicar.
Pernas trôpegas
feitas por um caminho mal traçado. Desvios inesperados, buzinas, gritos. Uns
brigam, outros choram, alguns sorriem como se a vida fosse apenas um ciclo
qualquer: venceu a validade, é só jogar fora e não se esquecer de reciclar a
embalagem. Olhares confiantes, ansiosos, amáveis. A falta de conforto da
sandália apertada. A sede que vem com a vontade de chegar, de alcançar, de
fincar a bandeira... Mas caminhar, mesmo que seja difícil e até mesmo
insuportável, é um presente. Um momento tão incrível que não dá descrever. E
quando a gente chega, quando a gente alcança, quando a gente finca a
bandeira... A gente não se sente realizado. Porque nós queremos as bolhas nos
pés, o suor pingando, a sede consumindo as cordas vocais. Nós queremos o
cansaço. Nós queremos a esperança. De um ano melhor. De um futuro brilhante. De
um dia que começa e termina bem.
Todos aqueles rostos, aqueles passos, aqueles sorrisos, até
mesmo aquelas buzinas e batidas de carro... Tudo aquilo me marcou. O beijo
apaixonado que eu dei em pensamento, os abraços verdadeiros que distribuí na
realidade, aqueles fogos que brilhavam a ponto de me enlouquecer... Eu senti
aquilo, tudo aquilo. A sensação de entrega que só a esperança nos dá. A paz que
vem da confusão do réveillon e da magia de acordar todo dia e querer fazer tudo
de novo. Caminhar é preciso; chegar é impreciso – desculpa, Pessoa.
Eis a magia de
viver: acreditar. Sentir. Caminhar. Se entregar.
E o resto não é
resto: é janeiro.
(Ouça Lost stars, Maroon 5)
(Nathan Bobey)
Nenhum comentário:
Postar um comentário