quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Reticências



Me disseram uma vez que essa coisa de se jogar é doença, sinal de total desajuste. Me disseram também que começar oração com pronome oblíquo é erro inaceitável, um crime contra a gramática. Será que posso alegar motivo de doença quando me condenarem? Tomara. Pela minha liberdade, eu faço de um tudo... Até me prender eu me prendo.
               Tem coisas que eu não sou capaz de entender. Introduções, por exemplo. Começos são tão difíceis! É quase impossível não empacar no primeiro parágrafo, na primeira etapa, na primeira tentativa. Ou você supera ou você desiste. Confesso que de muitos eu desisti, e apesar da decepção, fiquei aliviada; afinal de contas, um desenvolvimento complicado a menos. Mas e os que eu superei? Foram poucos, seguidos por péssimos pontos finais-continuativos. Mas é aquilo: se queremos viver, é necessário simplesmente sobreviver de vez em quando.
               Desenvolvimentos? Meu Deus, morro de medo. Arranco meus cabelos só de pensar. Não há como não se envolver com eles, mas se envolver a ponto de enlouquecer. Ninguém quer encher linguiça, ninguém quer cometer erros... Mas olha, não tem como. Não existem histórias perfeitas. Ou você se contém e faz uma porcaria ou você se joga e faz uma bela porcaria – pelo menos você ganha um adjetivo... E um belo galo na cabeça.
               Meus desenvolvimentos sempre me exigem coisas que eu acho que não sou capaz de dar. Palavras estranhas, frases complicadas, figuras de linguagem que mais parecem códigos indecifráveis. Respeite minha coleção de traumatismos cranianos.
               Meu problema são as conclusões.
               É quando eu sinto meu corpo caindo, meus ossos chacoalhando, e tudo que eu sou é um presunto no chão. Finais, despedidas, game over, “pudemos concluir”... Eu não posso concluir nada. Não quero concluir nada. Conclusões são mortais. Deixa eu continuar arrancando os cabelos, deixa eu morrer tentando fazer a história engrenar! Mas não me peça para dar o fatídico ponto final.
               Pelo bem da minha história, dispenso até mesmo as referências bibliográficas. E os colchões amortecedores de queda.
               Por isso, não quero pontos finais nessa conversa. Fico com a vírgula, ou melhor, com as incríveis, cafonas e eternas reticências...

 (Ouça Virgem, Marina Lima)

 (Budi Satria Kwan)


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