Resolvi
fazer uma tatuagem.
Há
mil possibilidades, reconheço. Posso escrever o nome do meu namorado... Ops,
não tenho namorado. Posso tatuar uma palavra em chinês, francês, inglês,
hebraico; ninguém vai entender coisa alguma. Em português não, ora, não é
chique; vão entender tudo na hora. Pensei em pegadas, estrelas, flores,
fadas... Não, não curto modas ultrapassadas. Poesias, talvez. Letras de música,
quem sabe.
E
coisas que mexem com a memória?
Eu
tatuaria cheiros. Porque boa parte da minha memória é feita de cheiros – e olha
que vez ou outra caio resfriada. Tatuaria o perfume da minha bisavó, o cheiro
da rabanada que eu só como uma vez no ano, cheiro de café, de chocolate, de
baunilha, daquela limonada que vira caipirinha, cheiro de hortelã, de cominho,
de canela, de... de... ah, como é que é o nome daquele perfume que a minha mãe
passava em mim quando eu era uma pirralha... eu não sei. Só sei que tatuaria
cenas também, e eu tatuaria essa cena. Depois de um banho meio que forçado, em
pleno verão naquele clima nada ameno de oitenta graus, entro no quarto e ligo o
rádio. Como eu disse, ainda era uma pirralha, muito pirralha, tão pirralha que
mamãe (nunca chamei minha mãe de mamãe, mas tudo bem) precisava me arrumar. Ela
me enchia daquele perfume enquanto eu botava o rádio pra tocar uma música
qualquer. Aquela música... Eu nem me liguei na letra, Deus, quantas vezes
preciso dizer que era uma pirralha, mas gente, o que era aquela música. Cada
acorde, cada notinha de voz, cada fone pronunciado, cada partícula daquela
música se misturava com o feixe de luz solar que entrava pela janela. Acho que
foi o momento mais transcendental da minha vida. Quando eu quero fugir das
coisas que me cercam, do mundo, seus problemas, mazelas e mimimis, eu volto pra
aquele quarto, pra aquele cheiro, pra aquela música. Eu tatuaria aquele dia em
mim, assim como aquele cheiro, aquela música... Mas é como se a minha alma já
estivesse tatuada.
Outros
momentos que estão em mim e penso em revelar na pele (se bem que o arrepio da
mesma os revela): ah, tem tantos outros que não cabem numa simples conversa.
Primeiridões, réveillons, carnavais, sorrisos... Mas aí eu viveria de momentos,
e não é bem isso que quero. Quero é viver com eles, é diferente, outra
preposição.
Estou
decidida. Vou tatuar uma âncora pra mostrar que sou forte, guerreira, invencível
e pesada (quase uma mocinha de novela). Não, pensando bem, vou tatuar o
infinito mesmo. Ou um oito deitado.
(Ouça a música que inspirou a cena citada no post: Celacanto, Jorge Vercillo)
(Federico Rossi)
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