Deus, como eu preciso comprar um caderno. Me livrar dessa
angústia de esperar a máquina ligar, enquanto o tempo corre e faz questão de
mostrar o quanto me despreza. As letras sambam perto das três da madrugada. É
tudo tão branco nessa tela... Isso me dá medo. É tudo tão escuro lá fora... É
isso que me segura. Hoje eu ainda penso no futuro, e me perco em planos que
jurei não mais fazer, em ilusões que jamais irei cair novamente... Ah, pobre
menina inocente. Ouça-me bem, amor: desligue esse Cartola que ele já falou
demais. O mundo é um moinho, a vida é uma caixinha de surpresas, o tempo não
para, o amor é pra quem ama... Chega de frases prontas, tudo um bando de
lasanhas congeladas que eu como na esperança de saciar a fome, mas acabo na
frustração da falta de sabor. O futuro já começou? Piada. Veja bem: eu falei
piada, não mentira.
A moça do nariz vermelho apareceu pra mim. Acho que estava
naquela crise alérgica de sempre, alergia à vida, às dúvidas, aos clichês. Ela também
se joga em um mar de ilusões e promessas que, ô garota idiota, nunca serão
cumpridas. Deve ser por isso que ela anda assim, chorando, se afogando em si
mesma, pobre menina rica de elogios e apostas, investimentos sem fundos, honra
ao mérito, certificados inúteis eternamente envelopados e guardados na gaveta
do meio, entre as calcinhas e as bijuterias. A menina dança... Quando ninguém
está por perto, tira os sapatos e tortura os pés causando horripilantes bolhas
de sangue pisado, e se orgulha da dor de dançar até perder a noção, a razão,
seja o que for. Quem perde é porque não quer mais ver. Vai entender.
Essas lembranças assaltam a gente. O passado se mistura com
as pretensões de um futuro redundantemente desconhecido. O futuro são os nossos
planos. Que planos? Aqueles que montamos como castelos de cartas que desabamos
dois minutos depois? Casar, comprar uma bicicleta, ter filhos pentelhos ou
sonsos, acreditar que tudo não passa de um comercial de margarina, se deixar
levar pelo estresse, pela falta de sexo, pela falta de tino, de tico, de teco,
cala a boca que o presente ainda vive e está aqui fazendo um milhão de
perguntas resumidas em uma só: dá ou desce? O futuro é pra quem enlouquece com
o presente – mas tem que saber que só enlouquecendo é que se sobrevive nessa
selva de pedra-clichê. A menina do nariz vermelho tomou um tarja preta e viu
tudo azul. A dança das cores nos distrai enquanto traçamos calendários
imaginários com coisas que jamais acontecerão. Eis a plenitude da vida real:
quebrar a cara minutos depois
Ainda me pergunto qual é a graça do dia seguinte. Deve ser
essa coisa de querer novidade o tempo inteiro, confabular tendências para as
próximas estações climáticas deixando de lado a importância das estações de
rádio. O céu agora não é mais visto a olho nu; anote aí, criançada, pra ver o
céu, é preciso ter uma boa câmera e uma boa penca de seguidores. Os diplomas,
os amores, as etapas que mandam a gente cumprir como se vivêssemos num eterno
vídeo game ainda vivem abençoadas pela pressa, a tal da pressa que faz a gente
perder tempo enquanto quer ganhar. O tempo não para? Com certeza. Deve ser por
isso que virou zona.
O futuro, meus caros, é corrosivo. Pensar nele atrai
mosquitos e crises de estresse – sem falar das desilusões que, sim, virão a
galope. Viver o hoje sem pensar na graça de amanhã não é para os fracos. Haja
sabedoria, jogo de cintura e habilidade com o compasso. Tem é que endoidar de
vez, viver vendo no que vai dar. Agendas ajudam, alarmes, tarefas
programadas... Mas nem tudo é tão robótico. Apesar de tudo se tratar de um
grande sistema moldado por algum desocupado cansado do ócio, que fique claro:
nosso toque especial é que faz tudo valer a pena.
Amanhã? Putz, que palavra chata. Muda o disco – enquanto é
tempo de chamar de disco. E não se preocupe: se por um acaso você cair no rio
da contradição, mesmo que se afogue, não tem problema. É a água mais limpa que
existe.
Agora eu desligo a máquina e penso no amanhã. Comprarei meu
caderno, viverei um dia incerto, está tudo certo...
Pensando bem, apenas desligo a máquina. Sobre amanhã e
outras drogas? Que se dane o resto.
(Ouça Nada tanto assim, Kid abelha)
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