terça-feira, 21 de abril de 2015

Sobre o futuro e outras drogas - vol. 2

Deus, como eu preciso comprar um caderno. Me livrar dessa angústia de esperar a máquina ligar, enquanto o tempo corre e faz questão de mostrar o quanto me despreza. As letras sambam perto das três da madrugada. É tudo tão branco nessa tela... Isso me dá medo. É tudo tão escuro lá fora... É isso que me segura. Hoje eu ainda penso no futuro, e me perco em planos que jurei não mais fazer, em ilusões que jamais irei cair novamente... Ah, pobre menina inocente. Ouça-me bem, amor: desligue esse Cartola que ele já falou demais. O mundo é um moinho, a vida é uma caixinha de surpresas, o tempo não para, o amor é pra quem ama... Chega de frases prontas, tudo um bando de lasanhas congeladas que eu como na esperança de saciar a fome, mas acabo na frustração da falta de sabor. O futuro já começou? Piada. Veja bem: eu falei piada, não mentira.
A moça do nariz vermelho apareceu pra mim. Acho que estava naquela crise alérgica de sempre, alergia à vida, às dúvidas, aos clichês. Ela também se joga em um mar de ilusões e promessas que, ô garota idiota, nunca serão cumpridas. Deve ser por isso que ela anda assim, chorando, se afogando em si mesma, pobre menina rica de elogios e apostas, investimentos sem fundos, honra ao mérito, certificados inúteis eternamente envelopados e guardados na gaveta do meio, entre as calcinhas e as bijuterias. A menina dança... Quando ninguém está por perto, tira os sapatos e tortura os pés causando horripilantes bolhas de sangue pisado, e se orgulha da dor de dançar até perder a noção, a razão, seja o que for. Quem perde é porque não quer mais ver. Vai entender.
Essas lembranças assaltam a gente. O passado se mistura com as pretensões de um futuro redundantemente desconhecido. O futuro são os nossos planos. Que planos? Aqueles que montamos como castelos de cartas que desabamos dois minutos depois? Casar, comprar uma bicicleta, ter filhos pentelhos ou sonsos, acreditar que tudo não passa de um comercial de margarina, se deixar levar pelo estresse, pela falta de sexo, pela falta de tino, de tico, de teco, cala a boca que o presente ainda vive e está aqui fazendo um milhão de perguntas resumidas em uma só: dá ou desce? O futuro é pra quem enlouquece com o presente – mas tem que saber que só enlouquecendo é que se sobrevive nessa selva de pedra-clichê. A menina do nariz vermelho tomou um tarja preta e viu tudo azul. A dança das cores nos distrai enquanto traçamos calendários imaginários com coisas que jamais acontecerão. Eis a plenitude da vida real: quebrar a cara minutos depois
Ainda me pergunto qual é a graça do dia seguinte. Deve ser essa coisa de querer novidade o tempo inteiro, confabular tendências para as próximas estações climáticas deixando de lado a importância das estações de rádio. O céu agora não é mais visto a olho nu; anote aí, criançada, pra ver o céu, é preciso ter uma boa câmera e uma boa penca de seguidores. Os diplomas, os amores, as etapas que mandam a gente cumprir como se vivêssemos num eterno vídeo game ainda vivem abençoadas pela pressa, a tal da pressa que faz a gente perder tempo enquanto quer ganhar. O tempo não para? Com certeza. Deve ser por isso que virou zona.
O futuro, meus caros, é corrosivo. Pensar nele atrai mosquitos e crises de estresse – sem falar das desilusões que, sim, virão a galope. Viver o hoje sem pensar na graça de amanhã não é para os fracos. Haja sabedoria, jogo de cintura e habilidade com o compasso. Tem é que endoidar de vez, viver vendo no que vai dar. Agendas ajudam, alarmes, tarefas programadas... Mas nem tudo é tão robótico. Apesar de tudo se tratar de um grande sistema moldado por algum desocupado cansado do ócio, que fique claro: nosso toque especial é que faz tudo valer a pena.  
Amanhã? Putz, que palavra chata. Muda o disco – enquanto é tempo de chamar de disco. E não se preocupe: se por um acaso você cair no rio da contradição, mesmo que se afogue, não tem problema. É a água mais limpa que existe.
Agora eu desligo a máquina e penso no amanhã. Comprarei meu caderno, viverei um dia incerto, está tudo certo...
Pensando bem, apenas desligo a máquina. Sobre amanhã e outras drogas? Que se dane o resto.

(Ouça Nada tanto assim, Kid abelha)


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