Antes
de começar, ofereço um café. Nada como a boa educação de sempre.
Começo
de semana. Acho graça do silêncio lá de fora – silêncio entrecortado pelo já
familiar som das buzinas, das sirenes, dos aviões. Apaguei a luz porque
ultimamente ela não tem ajudado muito. Essa luz fria, pálida... Quase fraca de
tão forte, quase forte de tão fraca... Da janela, surge o céu vermelho de uma
noite que tem tudo para ser chuvosa, mas que se mantém firme e forte sem soltar
uma lágrima. Inspiradora, por sinal.
Já
perdi as contas de quantos filmes assisti. Horas antes, devorei um show do meu
artista favorito, aquele de queixo esquisito e lábios grandiosos (e que o meu
despudor de fã sonha em beijar – desculpa, sociedade). A verdade é que não ouço
muito o que ele canta; sei todas as músicas, canto cada uma como se estivesse
naquele show, mas a verdade é que a única canção que tem me provocado algo mais
é de outro cantor, de outra banda, ai caramba, já me perdi. Em um determinado
momento do concerto, ele fala sobre suas canções, sobre como as cria. No fim
das contas, tudo vem da necessidade de dar alguma importância ao futuro – não,
prefiro dizer “dia seguinte”, fica mais bonitinho. Ele fala que escreve suas
canções pensando que tudo se trata de uma grande conexão entre o que sentimos hoje
e o que sentiremos amanhã; aquela velha e boa questão sobre não desistir, sobre
se permitir ser alguém maior do que o espelho diz, sobre se entregar à vontade
de fazer valer a pena cada minuto justamente para que não haja frustração no
dia seguinte. Dei voltas nessa linha de pensamento. Fiz curvas perigosas,
confesso. De repente, eu estava fazendo pontes com alguns filmes que ando
lendo, com músicas que ando ouvindo, com livros que ando lendo... Vítima de uma
boa de uma conspiração, talvez.
Estou
lendo um romance francês que tem me causado certo grau evitável de tristeza,
mas que, de forma esquisita, combina com boa parte do que o meu ídolo falou –
talvez com tudo e mais um pouco. Conta a história de uma garota rica, tão rica,
tão podre de rica, tão desocupada, ociosa e mimada que “aproveita a vida” em
festas regadas a carreiras de pó e outras formas de decadência humana – isso sem
contar as infinitas sacolas de compras que a acompanham em suas tardes
parisienses. Quando o amor vem, a vida que já não anda direito dá a cambaleada
perfeita para fazer a protagonista repensar suas frustrações. Será que o dia
seguinte vale a pena? Farei tudo de novo, uma rotina cansativa e que me levará a
novas frustrações, e então eu continuarei nesse poço sem fundo, nessa vida de
merda, nesse mundo estranho, violento, que me deixa zonza.
Nos
seriados, nos filmes, nas canções, nas minhas prateleiras digitais: qual é a
graça do dia seguinte? Lá está o raio da pergunta que me faz entrar em crise.
Ativa, passiva, reflexiva, não importa: todas as pessoas do mundo ainda vão se
bater, debater e apanhar mais um pouco atrás da resposta. E talvez nunca a
encontrem... O que será ótimo, pois isso significa que não perderam seu
precioso tempo dando importância à teoria. A prática é o que importa. Aquilo de
se jogar, de experimentar, de descobrir; e isso significa sair da zona de
conforto, se afundar no mundo novo, se perder, dar um milhão de voltas, girar
até ficar tonto, por que não?
Nessas
tantas voltas que dei buscando uma conclusão, descobri que quando o dia
seguinte vira motivo de preocupação, a frustração é certa. O hoje é tão mais
importante... O hoje, não se esqueça do artigo definido, mas se puder,
substantive esse tal de Hoje, musique, poetize, cronique, faça alguma coisa que
o registre nos anais da humanidade. Amanhã é balela. Vai ser triste, vai ser
feliz, vai ter um monte de coisas que não conhecemos ainda. Mas vai ser bom,
acredite. Basta acreditar. Basta agir quando amanhã for hoje, quando tudo
explodir. E se você gosta de teorias, agarre essa: talvez a graça seja
justamente o espírito da novidade. E para os que preveem o futuro: essa coisa
de spoiler tira toda a graça, vai por mim. Pro cara que canta pensando no amanhã,
eu digo que hoje sou sua fã; amanhã já é outra história.
Ok,
vamos dar um tempo no café. Já é madrugada, a fronteira que separa (ou junta) o
que foi e o que será. Quer um chá para descansar?
(Ouça Futures, Zero 7)
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