Tudo
de novo.
Você
chega à casa, se joga no sofá, enfrenta o frio e o desespero da falta de
criatividade para fazer algo decente para comer, procura algo que preste na
tevê (mas logo desiste), explora todas as redes sociais atrás de um mísero
assunto interessante, se distrai, ri por alguns minutos, se revolta com dez
notícias sobre política, violência e inflação nas alturas, manda aquele
parabéns quase atrasado pro seu ex-chefe e pra sua colega de trabalho que não
te dá nem um bom dia, lê um artigo sobre aquele filme que você quer ver mas que
todo mundo tá dizendo que é uma merda, suspira, apaga o celular, vai na
cozinha, descobre uma pizza congelada com grande potencial para salvar a noite,
acha um documentário sobre espécies aquáticas em extinção, não vê nem metade do
documentário, não come nem metade da pizza, acha uma comédia americana de
recém-casados, vê até o fim, bebe aquele suco de maracujá aguado que cê fez no
final de semana até a última gota, desliga a tevê, caça uma garrafa de vinho,
não acha, apela pro chocolate, recebe uma ligação, atende, conversam por
quarenta minutos, a conversa termina com você mandando seu amigo procurar
alguém que o valorize, e então você enfatiza o quanto você aprendeu a se
valorizar e a não deixar ninguém pisar nos seus tão valiosos sentimentos, vocês
desligam, o chocolate parece doce demais depois de três ou quatro mordidas, o
apartamento se torna insuportável, você abre a janela, sente o frio da
madrugada recém-chegada, fecha os olhos, se abre por dentro.
Você
quase chora. Quase, quase mesmo. Porque parece que a vida te deu uma leve
endurecida, sabe? Não era pra ser. Mais uma vez você repete essa frase. Outro
vai vir, e mais uma vez você vai sentir algo diferente, e vai ser tudo lindo
nos primeiros dias. Mas veja bem: são só os primeiros dias. Só uns dias de
descanso pra boa e velha solidão. Você se engana. Sempre, a todo instante. No
começo, você se revoltava com esse eterno ciclo de enganos e desenganos, essa
dança estranha, esse filme ruim. Mas aí você cresceu, e percebeu que esse não é
o problema. A gente se distrai a todo instante. Quando vê, já tá na mão do
outro, da outra, do que for. Não que seja uma relação de dependência; é mais
uma questão de se sentir bem mesmo. Até que vem o enjoo, a falta de tempo, “a
gente se fala outra hora”. E aí, mais uma vez, você precisa aprender a se virar
consigo mesmo.
Tudo
de novo.
Você
ri. Finge que tá tudo bem, que não importa, que não quer saber. E não quer
saber mesmo! Ora, tem tanta coisa acontecendo na vida, tanta gente que passa a
todo instante, tanta regrinha sendo atualizada constantemente na etiqueta
desses relacionamentos vazios porém com a aparência impecável... Apesar de não
ter tanta idade assim, você já passou da fase da primeiridões. Você sobrevive,
e sabe que isso ainda vai acontecer tantas outras vezes; mas tudo bem, vida que
segue, é igual biscoito, pinta esse cabelo, se joga na pista, I don’t know. E
então você se flagra vazio, se esvaindo entre os dedos como os que passam por
você e te fazem fechar os olhos nessa madrugada gelada dizendo pra si mesma:
tudo de novo.
De
novo? Não.
Já
tem gente vazia demais nesse mundo. Gente que se cala, que se omite, que se faz
de morta, que ri de piadas sem graça, que chora escondido e diz que o nariz
vermelho é culpa da alergia, gente que se perde dentro de si mesmo mas faz questão
de parecer mais orientado que todos os outros. Olha o que a vida faz com a
gente. Ficamos repetitivos. As palavras viram dados viciados; o texto, um jogo
perdido. Tudo tão blasé, sabe? Tão chato.
Tão
insuportável.
Como
uma mensagem não respondida, como uma noite sem um pé pra te esquentar, como
uma panela de brigadeiro com uma só colher.
Como
essa solidão que a gente disfarça com um riso e atropela com a falsa ideia de
autoafirmação. Mas olha só pra gente.
Olha
só.
Nem
a gente tem coragem de olhar.
De
sentir.
A
gente não tem coragem.
...
Tudo
de novo.
"Eu, você, nós dois, já temos um passado, meu amor, um violão guardado, aquela flor, e outras murmuras mais..."
(Ouça You don't know me, Caetano Veloso)